25.7.07

Os elementos essencias para um bom resultado são: Atenção, Memória, Associação de Idéias

Como Estudar Melhor
Atenção
Dentre os princípios fundamentais para o desenvolvimento da atenção, pode-se citar:
· Concentração: Normalmente a atenção fixa-se em um determinado objeto, havendo casos em que ela pode se dividir entre dois objetos, embora com perda de eficiência, como por exemplo, estudar ouvindo música.
· Intermitência: A atenção não pode se manter fixa por longos períodos sem perder a eficácia, de onde se conclui que um período de atenção requer outro de descanso. Este outro período deve ser preenchido com objetos diferentes: alternar o estudo com o ato de ouvir música.
· Interesse: Quanto maior é o interesse em uma determinada área, tanto maior será a facilidade de atenção.
Memória
Existe vários tipos de memória:
· Visual: facilidade em evocar as imagens daquilo que se viu.
· Auditiva: facilidade em evocar aquilo que se ouviu.
· Motora: evocação rápida daquilo que se fez.
· Afetiva: lembrança fácil de relações emotivas.
· Locativa: evocação fácil da região geográfica do objeto ou fato.
· Nominativa: facilidade em lembrar nomes ou palavras relacionadas.
· A eficácia variável da memória decorre de que alguns possuem, por exemplo, mais desenvolvimento na visual que na auditiva, não significando isto que o indivíduo não possa ou não deva desenvolver todos os tipos.
Associação de idéias
É a capacidade que possibilita ao indivíduo relacionar e evocar fatos e idéias. Esta capacidade pode ser constatada, por exemplo, numa conversa informal. É fácil observar quantos assuntos diferentes vêm à tona por fatos e idéias relacionadas com experiências anteriores dos interlocutores que são suscitados pela troca de palavras que a conversa exige.
· Analogias é a melhor forma de integrarmos a aprendizagem.

6.7.07

A APRENDIZAGEM DE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS

A APRENDIZAGEM DE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS

Maria Helena Palma de OliveiraDoutora em Psidologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento pelo IPUSPDocente do curso de Psicologia e docente-pesquisadora do Mestrado em Educação da UNIBAN
O presente trabalho discute os processos de auto-regulação da aprendizagem de alunos universitários. Tomando como base a abordagem teórica sócio-construtivista, enfoca processos mentais de atenção, de memória e de planejamento consciente de ações dentro e fora de sala de aula como atividades estratégicas intencionais e essenciais para a aprendizagem de jovens adultos.
Palavras-chave: auto-aprendizagem, metacognição, andragogia, estudantes universitários.
The present article discusses the self-regulation learning process of university students. Based on the socio-constructivist theoretical approach, it focuses on the mental processes of attention, of memory and conscious planning of actions inside and outside the classroom, as essential and intentional strategic activities for young adults’ learning.
Key words: self-learning, metacognition, andragogy, university students.
INTRODUÇÃO
Três pontos mostram a importância do foco sobre a aprendizagem de jovens adultos. Em 2001, dados do MEC/INEP deram conta de que o total geral de matrículas de universitários no país ultrapassou os três milhões, registrando um crescimento de 11,2% em relação ao ano anterior; um segundo aspecto decorre da peculiaridade do perfil dos universitários brasileiros, pois 57,2% deles estudam no período noturno, em decorrência do fato de serem universitários trabalhadores; por último, em conseqüência do que foi dito, fica clara a necessidade de estudos na área de andragogia.
Cavalcanti (1999), alertando sobre a relevância de estudos voltados para a aprendizagem de jovens adultos, destaca: "A idade adulta traz a independência. O indivíduo acumula experiências de vida, aprende com os próprios erros, apercebe-se daquilo que não sabe e o quanto este conhecimento faz-lhe falta". Cabe destacar que o estudante universitário encontra-se no processo de transição para a vida adulta. Ingressando na universidade normalmente no final da adolescência, termina-a no início da idade adulta.
Para esse estudante torna-se imprescindível o desenvolvimento da capacidade de auto-regulação da aprendizagem. Perrenoud (1999, p.96) conceitua a auto-regulação da aprendizagem: como "capacidades do sujeito para gerir ele próprio seus projetos, seus progressos, suas estratégias diante das tarefas e obstáculos" e, nesse sentido, afirma que é necessário apostar na auto-regulação que "consiste aqui em ‘reforçar’ as capacidades do sujeito para gerir ele próprio seus projetos, seus progressos, suas estratégias diante das tarefas e obstáculos".
Aponta com insistência a importância da participação direta e planejada do aluno no próprio projeto de aprendizagem. Para isso, utiliza-se dos termos auto-avaliação, autodesenvolvimento, auto-aprendizagem, Projeto Pessoal do Aluno (PPA) e auto-regulação da aprendizagem (Perrenoud, 1999, 2000).
Para aprender, o indivíduo não deixa de operar regulações intelectuais. Na mente humana, toda regulação, em última instância, só pode ser uma "auto-regulação", pelo menos se aderirmos às teses básicas do construtivismo: nenhuma intervenção externa age se não for percebida, interpretada, assimilada por um "sujeito". Nessa perspectiva, toda ação educativa só pode estimular o autodesenvolvimento, a auto-aprendizagem, a auto-regulação de um sujeito, modificando seu meio, entrando em interação com ele. Não se pode apostar, afinal de contas, senão na auto-regulação. (Perrenoud, 1999, p. 96)
Há outros estudos que exploram e discutem a importância de o aluno gerir conscientemente seus processos de aprendizagem (Davidson; Deuser e Sternberg, 1996; Polya, 1995; Pozo, 1998), bem como a importância dos processos metacognitivos na construção da subjetividade (Oliveira, 2001, 2002, 2003).
Salvador (1994), discutindo e ampliando o conceito de aprendizagem significativa de Ausubel, Novak e Hanesian (1980), afirma que é ainda limitada a possibilidade de compreensão dos processos mentais mediante os quais os alunos atribuem um sentido às atividades de aprendizagem, no entanto destaca a certeza de sua existência e a importância dos mesmos para a realização de aprendizagens significativas. Salvador aponta os trabalhos de Marton realizados pela Universidade de Gothenburg e os de Entwistle e Ramsden pela Universidade de Edimburgo (Apud Salvador 1994). Essas investigações tinham como objetivo estudar a aprendizagem com base nas perspectivas dos próprios alunos de ensino superior. Os estudos desses pesquisadores identificaram três modos típicos de abordar e de focalizar as tarefas de aprendizagem "que denominaram, respectivamente, de enfoque em profundidade (deep approach), enfoque superficial (surface approach) e enfoque estratégico (strategic approach)" (Idem, ibidem, p.153).
No enfoque em profundidade há forte disposição em realizar aprendizagens significativas, pois os alunos mostram um grau elevado de implicação no conteúdo e buscam o máximo de aprofundamento na compreensão do conteúdo e na exploração das possíveis relações e interconexões com conhecimentos prévios e experiências pessoais. No segundo, o enfoque superficial, o aluno realiza aprendizagens às vezes repetitivas e mecânicas, às quais Ausubel chama de pouco significativas. A preocupação maior, nesse tipo de aprendizagem, é a memorização para a avaliação posterior. "Os alunos não se interrogam acerca dos objetivos ou da finalidade da tarefa, por concentrarem-se em aspectos parciais da mesma e por uma certa incapacidade para distinguir os aspectos essenciais dos acessórios ou circunstanciais". O terceiro enfoque de aprendizagem, o estratégico, tem por característica a intenção do aluno em alcançar o rendimento máximo na tarefa que realiza, para isso planeja com cuidado a atividade, o material, os esforços e o uso do tempo disponível.
Salvador (1994, p.153) destaca ainda que os estudos realizados pela universidade de Edimburgo apontam uma certa relação entre o tipo de motivação e os enfoques de aprendizagem que os alunos adotam em uma atividade determinada de aprendizagem. "A motivação intrínseca, isto é, um elevado grau de interesse pelo conteúdo e pela sua relevância, costuma ir associada com o enfoque em profundidade; quando o que predomina é o desejo de êxito, ou a motivação pelo lucro, o enfoque de aprendizagem costuma ser de tipo superficial; finalmente, se o motivo dominante é o medo ao fracasso, cabe esperar um enfoque de aprendizagem de tipo estratégico". Salvador chama a atenção, no entanto, para o caráter dinâmico dessa relação que é "forjada e modificada no decorrer da atividade de aprendizagem".
Para Salvador a construção significações é simultânea à construção de sentidos para o que aprende. Ao destacar a importância dos processos de pensamento do educando como elemento mediador entre o processo de ensino e os resultados da aprendizagem, Salvador, (1994:155) traz para dentro da discussão esse novo elemento, ou seja, o sentido da aprendizagem, entendido como decorrente das interpretações subjetivas do aluno e construída a partir da "complexa dinâmica de intercâmbios comunicativos que se estabelecem a múltiplos níveis entre os participantes, entre os próprios alunos e, muito especialmente, entre o professor e os alunos".
As situações de ensino põem em jogo processos psico-sociológicos como representações mútuas, expectativas em relação ao comportamento dos demais sujeitos envolvidos, intercâmbio de informações, estabelecimento de regras ou normas de atuação. Esse processo define pouco a pouco o contexto responsável pela atribuição de sentido para a aprendizagem, permitindo que o aluno construa a aprendizagem com um grau determinado de significância.
Oliveira (1999) em pesquisa realizada com alunos de diversos níveis escolares da cidade de São Paulo, inclusive universitários, descreve algumas capacidades cognitivas dos sujeitos da pesquisa, chamadas por ela de procedimentos metacognitivos:
· Trabalho consciente sobre a atividade de pensamento;
- Clara demonstração de interesse de saber mais sobre um dado domínio do conhecimento;
- Consciência sobre a relação entre os diferentes aspectos da tarefa e eles próprios como sujeitos pensantes;
- Processo de reflexão sobre os temas propostos na atividade de aprendizagem, o que demonstra o trabalho consciente em uma atividade de pensamento;
- Distinção de aspectos relevantes e não relevantes do conteúdo de estudo;
- Seleção de instrumentos intelectuais apropriados para pensar sobre eles;
- Escolha de ferramentas adequadas para a organização e a comunicação de seus pensamentos.
A AUTO-REGULAÇÃO DA APRENDIZAGEM
A capacidade auto-regulação da aprendizagem de universitários é aqui considerada como uso intencional de estratégias de domínio de funções mentais como atenção, memória e planejamento da ação que são funções autoconscientes essenciais aos processos de aprendizagem. Sendo assim, torna-se necessária a apresentação de uma síntese dessas funções mentais. Cabe salientar que, dentro da área de ensino e aprendizagem, essas funções mentais são estudadas como processos cognitivos. Quando o sujeito tem domínio consciente de seus próprios processos cognitivos (Oliveira, 1999), esse domínio passa a ser chamado de processo metacognitivo.
Os conceitos expostos até aqui, seja o de auto-regulação da aprendizagem (Perrenoud, 1999), seja o de processos e procedimentos metacognitivos (Oliveira, 1999), trazem para a discussão a importância da função mental da consciência na realização desses processos. Em decorrência desse fato, serão expostos, na seqüência, alguns pontos relevantes da abordagem teórica dos processos cognitivos e da consciência com base no enfoque histórico-cultural. Nesse sentido, serão utilizados os pressupostos básicos da abordagem soviética de funções mentais superiores, com ênfase nos trabalhos de Vigotsky e de Luria e também daqueles que interpretam e desdobram suas teses (Frawley, 2000; Wertsch, 1988; Oliveira, 1992).
Na perspectiva do enfoque histórico-cultural, Luria (1990, p.23) define a consciência com "a forma mais elevada de reflexo da realidade: ela não é dada ‘a priori’, nem é imutável e passiva, mas sim formada pela atividade e usada pelos homens para orientá-los no ambiente, não apenas adaptando-se a certas condições, mas também reestruturando-se".
Frawley (2000, p. 121) afirma que é preciso entender a definição de consciência, para Vigostsky, no âmbito dos próprios trabalhos do psicólogo e educador soviético. Em outro momento, Frawley (idem, p.114) afirma que para Vygotsky "a subjetividade é ‘dual’, constituída pela consciência (soznanie) e pela metaconsciência (osoznanie)". Wertsch (1988) também alerta para essa distinção possível na linguagem russa. Vygotsky concebe a consciência como a "organização’ observável objetivamente do comportamento que é imposta aos seres humanos pela participação em práticas socioculturais". Wertsch destaca que o critério principal da definição de Vygotsky de consciência é o de suas propriedades organizativas. Para Vigotsky a metaconsciência é uma forma especial de consciência. É uma forma que se produz quando a mesma consciência é o objeto da consciência". (Wertsch, 1988, p. 197).
Ratner (1995, p. 16), tomando como base a teoria de Vigotsky, define consciência e descreve suas propriedades organizativas como uma "percepção relativamente abrangente das coisas", que processa ativamente a informação, por isso "sintetiza, delibera, interpreta, planeja, lembra, sente e decide. A verdadeira consciência também se dá conta de seu próprio estado e atividade; em outras palavras, é autoconsciente"
O processo de formação da consciência é, dessa forma, resultado do processo de internalização que permite a construção de um plano intramental a partir de material intermental, concretizado nas relações sociais (Oliveira, 1992, p.78). Luria sintetiza o caráter sócio-histórico e mediado da consciência:
A consciência humana, que é resultado de atividade complexa e cuja função se relaciona com a mais alta forma de orientação no mundo circundante e com a regulamentação do comportamento, formou-se ao longo da história social do homem durante a qual a atividade manipuladora e a linguagem se desenvolveram, e seu mecanismo exige a íntima participação dessas. Ao refletir o mundo exterior, indiretamente, através da fala, a qual desempenha um papel profundo não apenas na codificação e decodificação das informações, como também na regulamentação de seu próprio comportamento, o homem é capaz de executar tanto a mais simples forma de reflexão da realidade como as mais altas formas de regulamentação de seu próprio comportamento. (Apud Oliveira, 1992, p. 78-79).
COGNIÇÃO: FUNÇÕES MENTAIS SUPERIORES
Oliveira (1992, p. 75-76) ressalta que Vigotsky não usou o termo cognição, o que não significa que não tenha estudado os processos cognitivos como pensamento, percepção e memória (Vygotsky, 1995, 1984). Oliveira (1992) salienta que Vigotsky utilizou os termos funções mentais e consciência para designar os processos cognitivos.
A capacidade cognitiva humana se realiza através das possibilidades criadas pelas mediações possíveis entre o sujeito e o contexto sócio-histórico que o circunda. A consciência, a "socialidade" e os instrumentos concretizam a possibilidade de comportamento inteligente. "Enquanto a capacidade de comportamento inteligente possui profundas raízes biológicas... o exercício dessa capacidade depende de o homem apropriar-se dos instrumentos e das técnicas que existem, não dentro de seus genes, mas em sua cultura. (Bruner e Sherwood, apud Ratner, 1995, p.18).
Cabe ressaltar, no entanto, que, para Vigotsky, os processos afetivos e os processos cognitivos não se desenvolvem de modo independente, desenvolvem-se de modo relacional. Essa inter-relação que ocorre também entre pensamento e linguagem, é assim expressa por Vygotsky (1993, p.131): "A relação entre eles não é, no entanto, algo já formado e constante: surge ao longo do desenvolvimento e também se modifica".
Conforme afirma Wertsch (1988, p. 197), a consciência é o componente mais elevado na hierarquia vigotskiana. São dois os seus subcomponentes: "o intelecto e a afetividade". Em outras palavras, para Vigotsky o desenvolvimento cognitivo e a afetividade formam um mesmo processo. Não é possível estudá-los com base na dicotomia porque a abordagem sócio-histórica de Vigotsky toma como unidade de análise a relação indivíduo-sociedade. Por isso, nem cognição, nem afetividade podem ser construídas pela determinação unilateral de um dos elementos da díade. Vigostsky (1995, p. 129) destaca que "o pensamento propriamente dito é gerado pela motivação, isto é, por nossos desejos e necessidades, nossos interesses e emoções. Por trás de cada pensamento há uma tendência afetivo-volitiva". Essa característica decorre da abordagem dialética da psicologia sócio-histórica que propõe que os diversos fenômenos psicológicos relacionam-se internamente. Isso porque um sistema dinâmico e significativo unifica as emoções e o intelecto. Emoções e intelecto não existem como funções independentes: as emoções e a cognição são mutuamente interdependentes: a apreciação cognitiva dos acontecimentos submete as emoções, qualificando-as; por outro lado, a cognição é afetada intrinsicamente pela emoção.
A ATENÇÃO
A atenção é entendida por Luria (1991, p. 11) como um processo seletivo, pois esse autor afirma que "a seleção da informação necessária, o assessoramento dos programas seletivos de ação e a manutenção do controle permanente sobre elas são convencionalmente chamados de Atenção". O caráter seletivo da função mental da atenção, presente também nos processos de percepção e de pensamento, é essencial para o pensamento organizado humano, pois, sem a seleção das informações e sem a inibição de grande parte das associações, o pensamento organizado ficaria impossibilitado. Luria (1991, p. 22) aponta dois tipos básicos de atenção: o arbitrário e o involuntário. "O involuntário acontece quando um estímulo forte ou novo atrai a atenção sem que a vontade do homem venha a interferir (é instintivo e é comum ao homem e ao animal). A atenção arbitrária é inerente ao homem".
O desenvolvimento sócio-histórico humano aprimorou as funções mentais de atenção, bem como as demais funções mentais especificamente humanas. Ou seja, esse desenvolvimento fez com que o ser humano avançasse de capacidades naturais de atenção para capacidades historicamente construídas do uso da função mental da atenção. Inicialmente, na criança, os objetos são fixados pela atenção involuntária; pela apropriação da linguagem e pela nomeação repetida dos objetos que promovem ao longo do desenvolvimento a atenção voluntária.
A MEMÓRIA
O enfoque histórico-cultural como fonte teórica para o entendimento da memória como processo mental superior mostra a importância do estudo de Lev Semenovich Vigotsky. O ponto básico do método de Vigotsky é a idéia de que os fenômenos devem ser estudados como processos em movimento e em mudança. As funções mentais superiores são analisadas detalhadamente com base na história de seu desenvolvimento no que se refere ao processo de transformações que atingiram as sociedades ao longo do curso da história humana. Ele mostra como a mediação pelo uso de instrumentos na interação do homem com o ambiente social e a posterior mediação semiótica criaram a estrutura necessária para a transformação das funções psicológicas em funções superiores (Leontiev, 1991 e Luria & Vygotsky, 1992). Ele também descreveu e explicou o processo de transformações qualitativas no desenvolvimento individual decorrentes da internalização dos sistemas de signos sócio-culturalmente produzidos e que são fatores determinantes das funções psicológicas superiores.
A teoria de Vigotsky (1984) mostra como os processos da memória, bem como as demais funções mentais superiores (Vigotsky, 1995), são desenvolvidos e motivados pela interação social humana, mediada semioticamente (Bonin, 1996). Esse desenvolvimento acompanha um processo evolutivo revolucionário funcional e interfuncional. Por isso, a função da memória no adulto é diferente da que se observa nas fases anteriores do desenvolvimento ontogenético e que, em decorrência, os processos primitivos da memória na criança não possuem correspondência nos humanos adultos. Enquanto a criança lembra para poder pensar, o adulto pensa para lembrar; a memória do adulto é resultante da mediação da vida social, interiorizada, principalmente, através da linguagem verbal. Na adolescência e na idade adulta, o processo de memória passa a ser caracterizado pela lógica: "o processo de lembrança está reduzido a estabelecer e encontrar relações lógicas; o reconhecer passa a consistir em descobrir aquele elemento que a tarefa exige que seja encontrado" (Vigotsky, 1984, p.58).
Da mediação social resulta que os "processos da memória evidenciam, pois, uma variação cultural significativa tanto no que se refere ao conteúdo do que se lembra, quanto à representação que tal conteúdo comporta" (Ratner, 1995, p.82). O princípio essencial da psicologia sócio-histórica é a mediação social dos estímulos. "O indivíduo molda sua reação aos estímulos a partir de materiais, padrões de comportamento, conceitos, aspirações e motivos que foram organizados socialmente" (Ratner, 1995, p.16).
Neste sentido, os processos de funcionamento da memória – a retenção, englobando a observação e a percepção; a reprodução, que inclui processos como a representação; o reconhecimento; a recordação e a reminiscência – devem ser entendidos com base na idéia de que um objeto "é definido pelo sistema de ações sociais a que está incorporado e através do qual entra numa relação particular com o sujeito agente" (Idem, ibidem, p.16).
A memória humana foi desenvolvida no processo histórico pelas várias maneiras de utilização de signos, que se transformaram em auxiliares da memória ou em formas de memória artificial: a marca na árvore, o nó no cordão, calendários, agendas, cantigas, lendas, arquivos de memória em computadores. Essa incorporação de signos auxiliares permitiu o aumento significativo da capacidade humana de memorização e a forma de relacionamento cultural.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados de pesquisas sobre a aprendizagem de jovens universitários e os elementos teóricos apresentados mostram, ainda que de forma pontual, duas necessidades na área de estudo em foco. A necessidade de concentrar esforços para a realização de estudos voltados para o entendimento dos processos de construção da aprendizagem de estudantes universitários; a necessidade de, nas atividades educativas, incentivar os estudantes universitários a explicitar os próprios processos de aprendizagem, focando a auto-regulação da atenção, da memória e do planejamento da ação de aprendizagem e a atribuição de sentidos para o conteúdo, processos estes entendidos como essenciais na construção de aprendizagens significativas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DAVIDSON, J.E.; DEUSER, R.; STERNBERG, R.J. The role of metacognition in problem solving. In: METALCAFE, J.; SHIMAMURA, A. P. Knowing about knowing. Cambridge, Massachusetts: MIT, 1996.
FRAWLEY, W. Vygotsky e a ciência cognitiva: linguagem e integração das mentes social e computacional. Trad. Marcos A.G. Domingues. Porto Alegre: Artmed, 2000.
LURIA, A.R. Desenvolvimento cognitivo: seus fundamentos culturais e sociais. 2.ed. Trad. Fernando L. Gurgueira. São Paulo: Ícone, 1990.
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LURIA, A.R.; VIGOTSKY, Lev S. Ape, primitive man, and child. New York: Harvester/Whestsheaf, 1992
OLIVEIRA, M.H.P. Lembranças do passado: a infância e a adolescência na vida de escritores brasileiros. Bragança Paulista, SP: EDUSF, 2001. 204p.
OLIVEIRA, M.P. O processo de construção de si-mesmo em narrativas autobiográficas. 1º Congresso Internacional de Psicologia. UEM. Maringá, Pr, 2003. CDRom
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RATNER, C. A psicologia sócio-histórica de Vygotsky: aplicações contemporâneas. PortoAlegre: Artes Médicas, 1995.
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VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes: 1995.
VYGOTSKY, L S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
WERTSCH, J. Vigotsky y la formacion social de la mente. Barcelona

Vygotsky e o desenvolvimento humano


Vygotsky e o desenvolvimento humano

Elaine Rabello
José Silveira passos


O que é Desenvolvimento Humano?

A noção de desenvolvimento está atrelada a um contínuo de evolução, em que nós caminharíamos ao longo de todo o ciclo vital. Essa evolução, nem sempre linear, se dá em diversos campos da existência, tais como afetivo, cognitivo, social e motor.
Este caminhar contínuo não é determinado apenas por processos de maturação biológicos ou genéticos. O meio (e por meio entenda-se algo muito amplo, que envolve cultura, sociedade, práticas e interações) é fator de máxima importância no desenvolvimento humano.
Os seres humanos nascem “mergulhados em cultura”, e é claro que esta será uma das principais influências no desenvolvimento. Embora ainda haja discordâncias teóricas entre as abordagens que serão apresentadas adiante sobre o grau de influência da maturação biológica e da aprendizagem com o meio no desenvolvimento, o contexto cultural é o palco das principais transformações e evoluções do bebê humano ao idoso. Pela interação social, aprendemos e nos desenvolvemos, criamos novas formas de agir no mundo, ampliando nossas ferramentas de atuação neste contexto cultural complexo que nos recebeu, durante todo o ciclo vital.


Perspectivas de Estudo do Desenvolvimento humano (Ribeiro, 2005):

Na Psicologia do Desenvolvimento, temos algumas perspectivas diversas.

Para os teóricos Ambientalistas, entre eles Skinner e Watson (do movimento behaviorista), as crianças nascem como tábulas rasas, que vão aprendendo tudo do ambiente por processos de imitação ou reforço.
Para os teóricos Inatistas, como Chomsky, as crianças já nascem com tudo que precisam na sua estrutura biológica para se desenvolver. Nada é aprendido no ambiente, e sim apenas disparado por este.
Para os teóricos Construcionistas, tendo como ícone Piaget, o desenvolvimento é construído a partir de uma interação entre o desenvolvimento biológico e as aquisições da criança com o meio. Temos ainda uma abordagem Sociointeracionista, de Vygotsky, segundo a qual o desenvolvimento humano se dá em relação nas trocas entre parceiros sociais, através de processos de interação e mediação.
Temos a perspectiva Evolucionista, influenciada pela teoria de Fodor, segundo a qual o desenvolvimento humano se dá no desenvolvimento das características humanas e variações individuais como produto de uma interação de mecanismos genéticos e ecológicos, envolvendo experiências únicas de cada indivíduo desde antes do nascimento.
Ainda existe a visão de desenvolvimento Psicanalítica, em que temos como expoentes Freud, Klein, Winnicott e Erikson. Tal perspectiva procura entender o desenvolvimento humano a partir de motivações conscientes e inconscientes da criança, focando seus conflitos internos durante a infância e pelo resto do ciclo vital.



Vygotsky: uma breve história

Vygotsky nasceu em 1896 na Bielo-Rússia, que depois (em 1917) ficou incorporada à União Soviética, e mais recentemente voltou a ser Bielo-Rússia. Nasceu no mesmo ano que Piaget (coincidência?!), mas viveu muitíssimo menos que este último, pois morreu de tuberculose em 1934, antes de completar 38 anos.
Foi o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa ao insistir que as funções psicológicas são um produto de atividade cerebral. Conseguiu explicar a transformação dos processos psicológicos elementares em processos complexos dentro da história.
Vygotsky enfatizava o processo histórico-social e o papel da linguagem no desenvolvimento do indivíduo. Sua questão central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. Para o teórico, o sujeito é interativo, pois adquire conhecimentos a partir de relações intra e interpessoais e de troca com o meio, a partir de um processo denominado mediação.
As principais obras de Vygotsky traduzidas para o português são "A formação social da mente", "Psicologia e pedagogia" e "Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem", “A Construção do Pensamento e Linguagem” (obra completa), “Teoria e Método em Psicologia”, “Psicologia Pedagógica”.
Vygotsky morreu em 1934, e sua obra permaneceu desconhecida no Ocidente até os anos 60, principalmente por razões políticas. Teve dois artigos publicados em periódicos americanos nos anos 30, e apenas em 1962 saiu nos Estados Unidos o livro Pensamento e Linguagem, edição a partir da qual foram feitas outras – inclusive a brasileira, mas que na verdade é uma compilação que corresponde a apenas um terço da obra.
Vygotsky trouxe uma nova perspectiva de olhar às crianças. Ao lado de colaboradores como Luria, Leontiev e Sakarov, entre outros, apresenta-nos conceitos, alguns já abordados por Jean Piaget, um dos primeiros a considerar a criança como ela própria, com seus processos e nuanças, e não um adulto em miniatura.
O teórico pretendia uma abordagem que buscasse a síntese do homem como ser biológico, histórico e social. Ele sempre considerou o homem inserido na sociedade e, sendo assim, sua abordagem sempre foi orientada para os processos de desenvolvimento do ser humano com ênfase da dimensão sócio-histórica e na interação do homem com o outro no espaço social. Sua abordagem sócio-interacionista buscava caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como as características humanas se formam ao longo da história do indivíduo (Vygotsky, 1996).
Vygotsky et. al. (1988) acredita que as características individuais e até mesmo suas atitudes individuais estão impregnadas de trocas com o coletivo, ou seja, mesmo o que tomamos por mais individual de um ser humano foi construído a partir de sua relação com o indivíduo.
Suas maiores contribuições estão nas reflexões sobre o desenvolvimento infantil e sua relação com a aprendizagem em meio social, e também o desenvolvimento do pensamento e da linguagem.


Nos aprofundando um pouco mais nas idéias de Vygotsky...

Desenvolvimento e Aprendizagem: a Zona de Desenvolvimento Proximal

Para J. Piaget, dentro da reflexão construtivista sobre desenvolvimento e aprendizagem, tais conceitos se inter-relacionam, sendo a aprendizagem a alavanca do desenvolvimento. A perspectiva piagetiana é considerada maturacionista, no sentido de que ela preza o desenvolvimento das funções biológicas – que é o desenvolvimento - como base para os avanços na aprendizagem. Já na chamada perspectiva sócio-interacionista, sócio-cultural ou sócio-histórica, abordada por L. Vygotsky, a relação entre o desenvolvimento e a aprendizagem está atrelada ao fato de o ser humano viver em meio social, sendo este a alavanca para estes dois processos. Isso quer dizer que os processos caminham juntos, ainda que não em paralelo. Entenderemos melhor essa relação ao discutir a Zona de Desenvolvimento proximal.
Os conceitos sócio-interacionistas sobre desenvolvimento e aprendizagem se fazem sempre presentes, impelindo-nos à reflexão sobre tais processos. Como lidar com o desenvolvimento natural da criança e estimulá-lo através da aprendizagem? Como esta pode ser efetuada de modo a contribuir para o desenvolvimento global da criança?
Em Vygotsky, ao contrário de Piaget, o desenvolvimento – principalmente o psicológico/mental (que é promovido pela convivência social, pelo processo de socialização, além das maturações orgânicas) – depende da aprendizagem na medida em que se dá por processos de internalização de conceitos, que são promovidos pela aprendizagem social, principalmente aquela planejada no meio escolar[1].
Ou seja, para Vygotsky, não é suficiente ter todo o aparato biológico da espécie para realizar uma tarefa se o indivíduo não participa de ambientes e práticas específicas que propiciem esta aprendizagem. Não podemos pensar que a criança vai se desenvolver com o tempo, pois esta não tem, por si só, instrumentos para percorrer sozinha o caminho do desenvolvimento, que dependerá das suas aprendizagens mediante as experiências a que foi exposta.
Neste modelo, o sujeito – no caso, a criança – é reconhecida como ser pensante, capaz de vincular sua ação à representação de mundo que constitui sua cultura, sendo a escola um espaço e um tempo onde este processo é vivenciado, onde o processo de ensino-aprendizagem envolve diretamente a interação entre sujeitos.
Essa interação e sua relação com a imbricação entre os processos de ensino e aprendizagem podem ser melhor compreendidos quando nos remetemos ao conceito de ZDP. Para Vygotsky (1996), Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), é a distância entre o nível de desenvolvimento real, ou seja, determinado pela capacidade de resolver problemas independentemente, e o nível de desenvolvimento proximal, demarcado pela capacidade de solucionar problemas com ajuda de um parceiro mais experiente. São as aprendizagens que ocorrem na ZDP que fazem com que a criança se desenvolva ainda mais, ou seja, desenvolvimento com aprendizagem na ZDP leva a mais desenvolvimento,por isso dizemos que, para Vygotsky, tais processos são indissociáveis.
É justamente nesta zona de desenvolvimento proximal que a aprendizagem vai ocorrer. A função de um educador escolar, por exemplo, seria, então, a de favorecer esta aprendizagem, servindo de mediador entre a criança e o mundo. Como foi destacado anteriormente, é no âmago das interações no interior do coletivo, das relações com o outro, que a criança terá condições de construir suas próprias estruturas psicológicas (Creche Fiocruz, 2004). É assim que as crianças, possuindo habilidades parciais, as desenvolvem com a ajuda de parceiros mais habilitados (mediadores) até que tais habilidades passem de parciais a totais. Temos que trabalhar, portanto, com a estimativa das potencialidades da criança, potencialidades estas que, para tornarem-se desenvolvimento efetivo, exigem que o processo de aprendizagem, os mediadores e as ferramentas estejam distribuídas em um ambiente adequado (Vasconcellos e Valsiner, 1995).
Temos portanto uma interação entre desenvolvimento e aprendizagem, que se dá da seguinte maneira: em um contexto cultural, com aparato biológico básico interagir, o indivíduo se desenvolve movido por mecanismos de aprendizagem provocados por mediadores.
Para Vygotsky, o processo de aprendizagem deve ser olhado por uma ótica prospectiva, ou seja, não se deve focalizar o que a criança aprendeu, mas sim o que ela está aprendendo. Em nossas práticas pedagógicas, sempre procuramos prever em que tal ou qual aprendizado poderá ser útil àquela criança, não somente no momento em que é ministrado, mas para além dele. É um processo de transformação constante na trajetória das crianças. As implicações desta relação entre ensino e aprendizagem para o ensino escolar estão no fato de que este ensino deve se concentrar no que a criança está aprendendo, e não no que já aprendeu. Vygotksy firma está hipótese no seu conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP).
(Creche Fiocruz, 2004)

Pensamento e Linguagem:

Existem duas grandes vertentes na Psicologia que explicam a aquisição da linguagem: uma delas defende que a linguagem já nasce conosco; outra, que é aprendida no meio. Vejamos os principais autores de cada uma das partes:

Proposta ambientalista: “do nada ao tudo através da experiência”
Skinner: possibilidade de explicar a linguagem e qualquer comportamento humano complexo pelos mesmos princípios estudados em laboratório.

A proposta inatista forte:
Chomsky: o bebê nasce com todo o aparato. Nada é aprendido no ambiente; é apenas disparado por ele. A criança apenas vai se moldando às especificidades da sua língua.

A proposta interacionista:
Piaget: o mecanismo interacionista -- a linguagem faz parte de uma função mais ampla, que é a capacidade de representar a realidade através de significados que se distinguem de significantes.

Vygotsky: raízes genéticas do pensamento e da linguagem – linguagem é considerada como instrumento mais complexo para viabilizar a comunicação, a vida em sociedade. Sem linguagem, o ser humano não é social, nem histórico, nem cultural.

Bruner: Psicologia cultural – defende a visão cultural do desenvolvimento da linguagem e coloca a interação social no centro de sua atenção sobre o processo de aquisição.

Cole: Sociocultural – para que a criança adquira mais do que rudimentos de linguagem, ela deve não apenas ouvir ou ver linguagem, mas também participar de atividades que a linguagem ajuda a criar e manter.





Segundo Vygotsky...

As funções da linguagem

Para Vygotsky, a relação entre pensamento e linguagem é estreita. A linguagem (verbal, gestual e escrita) é nosso instrumento de relação com os outros e, por isso, é importantíssima na nossa constituição como sujeitos. Além disso, é através da linguagem que aprendemos a pensar
(Ribeiro, 2005).A linguagem é, antes de tudo, social. Portanto, sua função inicial é a comunicação, expressão e compreensão. Essa função comunicativa está estreitamente combinada com o pensamento. A comunicação é uma espécie de função básica porque permite a interação social e, ao mesmo tempo, organiza o pensamento.
Para Vygotsky, a aquisição da linguagem passa por três fases: a linguagem social, que seria esta que tem por função denominar e comunicar, e seria a primeira linguagem que surge. Depois teríamos a linguagem egocêntrica e a linguagem interior, intimamente ligada ao pensamento.


A linguagem egocêntrica

A progressão da fala social para a fala interna, ou seja, o processamento de perguntas e respostas dentro de nós mesmos – o que estaria bem próximo ao pensamento, representa a transição da função comunicativa para a função intelectual. Nesta transição, surge a chamada fala egocêntrica. Trata-se da fala que a criança emite para si mesmo, em voz baixa, enquanto está concentrado em alguma atividade. Esta fala, além de acompanhar a atividade infantil, é um instrumento para pensar em sentido estrito, isto é, planejar uma resolução para a tarefa durante a atividade na qual a criança está entretida (Ribeiro, 2005).
A fala egocêntrica constitui uma linguagem para a pessoa mesma, e não uma linguagem social, com funções de comunicação e interação. Esse “falar sozinho” é essencial porque ajuda a organizar melhor as idéias e planejar melhor as ações. É como se a criança precisasse falar para resolver um problema que, nós adultos, resolveríamos apenas no plano do pensamento / raciocínio.
Uma contribuição importante de Vygotsky e seus colaboradores, descrita no livro Pensamento e Linguagem (1998), do mesmo autor, é o fato de que, por volta dos dois anos de idade, o desenvolvimento do pensamento e da linguagem – que até então eram estudados em separado – se fundem, criando uma nova forma de comportamento.
Neste momento, a criança faz a maior descoberta de sua vida: todas as coisas têm um nome. SternEste momento crucial, quando a linguagem começa a servir o intelecto e os pensamentos começam a oralizar-se – a fase da fala egocêntrica – é marcado pela curiosidade da criança pelas palavras, por perguntas acerca de todas as coisas novas (“o que é isso?”) e pelo enriquecimento do vocabulário.
O declínio da vocalização egocêntrica é sinal de que a criança progressivamente abstrai o som, adquirindo capacidade de “pensar as palavras”, sem precisar dizê-las. Aí estamos entrando na fase do discurso interior. Se, durante a fase da fala egocêntrica houver alguma deficiência de elementos e processos de interação social, qualquer fator que aumente o isolamento da criança, iremos perceber que seu discurso egocêntrico aumentará subitamente. Isso é importante para o cotidiano dos educadores, em que eles podem detectar possíveis deficiências no processo de socialização da criança. (Ribeiro, 2005)

Discurso interior e pensamento

O discurso interior é uma fase posterior à fala egocêntrica. É quando as palavras passam a ser pensadas, sem que necessariamente sejam faladas. É um pensamento em palavras. Já o pensamento é um plano mais profundo do discurso interior, que tem por função criar conexões e resolver problemas, o que não é, necessariamente, feito em palavras. É algo feito de idéias, que muitas vezes nem conseguimos verbalizar, ou demoramos ainda um tempo para achar as palavras certas para exprimir um pensamento.
O pensamento não coincide de forma exata com os significados das palavras. O pensamento vai além, porque capta as relações entre as palavras de uma forma mais complexa e completa que a gramática faz na linguagem escrita e falada. Para a expressão verbal do pensamento, às vezes é preciso um esforço grande para concentrar todo o conteúdo de uma reflexão em uma frase ou em um discurso. Portanto, podemos concluir que o pensamento não se reflete na palavra; realiza-se nela, a medida em que é a linguagem que permite a transmissão do seu pensamento para outra pessoa (Vygotsky, 1998)
Finalmente, cabe destacar que o pensamento não é o último plano analisável da linguagem. Podemos encontrar um último plano interior: a motivação do pensamento, a esfera motivacional de nossa consciência, que abrange nossas inclinações e necessidades, nossos interesses e impulsos, nossos afetos e emoções. Tudo isso vai refletir imensamente na nossa fala e no nosso pensamento. (Vygotsky 1998)

Pensar é conceber, fragmentar e seqüenciar – ao mesmo tempo – uma dada situação. As palavras são mediadores entre pensamento e mundo externo.



BIBLIOGRAFIA

CRECHE FIOCRUZ. Projeto Político Pedagógico. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2004.

RIBEIRO, A. M. Curso de Formação Profissional em Educação Infantil. Rio de Janeiro: EPSJV / Creche Fiocruz, 2005.

VASCONCELLOS e VALSINER. Perspectivas co-construtivistas na educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1996.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1998.


Sobre os autores:
Elaine Rabello: Graduanda em Psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Analista Transacional em Formação - Curso 202 na Área Clínica
José Silveira Passos: Psicólogo (CRP-05/18842), Psicoterapeuta, Analista Transacional (Membro Didata em Formação da UNAT-BR), Master em Ecologia Humana (Escola de Ecologia Humana - Argentina), Consultor Organizacional e Engenheiro
Como citar este artigo?
RABELLO, E.T. e PASSOS, J. S. Vygotsky e o desenvolvimento humano. Disponível em no dia xx de xxxxxx de xxxx.
[1] Vejamos que esta diferença de concepções entre Piaget e Vygotsky se dá, em grande parte, pelo fato de que , para Piaget, desenvolvimento ´maturação’, e para Vygotsky, o termo também compreende o desenvolvimento psicológico.

A TEORIA VIGOTSKIANA SOBRE MEMÓRIA: POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES
PARA A EDUCAÇÃO
Almeida, Sandro Henrique Vieira de – PUC-SP
Antunes, Mitsuko Makino – PUC-SP
GT: Psicologia da Educação / n.20
Agência Financiadora: CNPq


Este texto tem como objetivo discutir as implicações da teoria vigotskiana sobre memória para a educação. Inicialmente serão discutidos os principais pressupostos teórico-metodológicos da psicologia sócio-histórica e as investigações vigotskianas sobre memória para que se possa, posteriormente, discutir as possíveis implicações destas proposições para a educação.

1. Aspectos gerais da teoria sócio-histórica e das investigações vigotskianas sobre memória
A teoria sócio-histórica (também conhecida como histórico-cultural ou Escola de Vigotski) teve seus primeiros e principais pressupostos teórico-metodológicos desenvolvidos no início do século XX, mais especificamente entre os anos de 1928 e 1934, por um grupo de cientistas da ex-União Soviética liderados por Vigotski.
Os caminhos traçados por este grupo tinham como principais diretrizes o materialismo histórico dialético, elaborados inicialmente por Marx e Engels e com importantes contribuições posteriores de Lênin, e a teoria de Darwin sobre a seleção natural das espécies.
Neste momento, as investigações vigotskianas tinham como eixo norteador três conceitos fundamentais: “(...) o conceito de função psíquica superior, o conceito de desenvolvimento cultural da conduta e o domínio dos próprios processos de comportamento.” (Vygotski, 1931; 1995, p. 19).[1]
Assim sendo, uma das preocupações centrais deste grupo neste período foi a investigação das funções psíquicas superiores, ou seja, aquelas caracterizadamente humanas. Para que estas funções sejam desenvolvidas é necessário que o sujeito se aproprie dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade.
No inicio de sua história ontogenética, o homem é um candidato à humanização, ou seja, torna-se humano ao apropriar-se da produção dos homens. Para humanizar-se o homem deve desenvolver suas funções psicológicas superiores e assim tornar-se cada vez mais livre, cada vez mais independente de suas necessidades naturais. As funções psicológicas superiores são desenvolvidas a partir das formas mais simples (funções psicológicas elementares), que são involuntárias e com uma relação imediata com a realidade.
As funções psicológicas elementares são predominantes na vida de um indivíduo por um curto espaço de tempo. Já em tenra idade a criança começa a se comunicar com o mundo por meio de sinais e instrumentos; suas relações já não são exclusivamente diretas e imediatas como em seus primeiros meses de vida.
Com o passar do tempo, por seu desenvolvimento, a criança, em e por sua atividade, vai intencionalmente usando instrumento físicos e linguagem como meios para sua ação sobre a realidade. Suas funções psicológicas já têm as características das funções psicológicas superiores (mediatas e intencionais), sendo estas operações externas. Com a complexificação das relações que essa criança estabelece com o mundo, aliada à complexificação de seu sistema nervoso (aparato biológico) e à apropriação dos conhecimentos humanos, a criança internaliza as estruturas que eram anteriormente exclusivamente externas:

Qualquer dos sistemas a que me refiro recorre a três etapas. Primeiro, a interpsicológica: eu o ordeno, você o executa; depois, a extrapsicológica: começo a dizer a mim mesmo; e logo a intrapsicológica: dois pontos do cérebro, que são estimulados a partir de fora, têm tendência a atuar dentro de um sistema único e transformar em um ponto intracortical. (Vygotski, 1931; 1991, p. 91).

Marx (1867; 1974, p. 31) já indicava a interiorização dos processos internos ao dizer que “(...) o movimento do pensamento é o reflexo do movimento real, transportado e transposto no cérebro do homem.” No entanto, é importante ressaltar que a formação da imagem subjetiva (também chamada de ideal ou reflexa) da realidade não deve ser explicada como decorrentes das propriedades anátomo-fisiológicas do encéfalo:

O materialismo se expressa aqui no fato de compreender que o ideal, como forma determinada da atividade social do homem, que cria objetos de uma ou outra forma, nasce e existe não na cabeça, mas com ajuda da cabeça na atividade material real como agente efetivo da produção social. (Ilyenkov, 1978, p. 186)

Assim, “(...) a natureza psíquica do homem vem a ser um conjunto de relações sociais deslocadas para o interior e convertidas em funções da personalidade e em formas de sua estrutura.” (Vygotski, 1931; 1995, p. 151).
Esse processo não ocorreu somente na evolução histórica do homem, mas também ocorre durante o desenvolvimento infantil, nas relações que a criança estabelece com o mundo, visto que a “(...) interiorização das acções, isto é, a transformação das acções exteriores em acções interiores, intelectuais, realiza-se na ontogénese humana.” (Leontiev, 1959; 1978, p. 184).
Para Vigotski, o processo de internalização deveria ser chamado processo de revolução, tendo em vista que há um salto qualitativo de uma estrutura para outra, a superação de um ponto nodal. “O salto é o processo de passagem de uma coisa de um estado qualitativo a um outro que é acompanhado por uma ruptura de continuidade.” (Kopnin, 1978, p. 216).
Há uma radical reestruturação da atividade psíquica e com isso há: “(...)1) uma substituição de funções; 2) mudança nas funções naturais (...); 3) o aparecimento de novos sistemas psicológicos, funcionais (ou funções sistêmicas) (...)” (Vygotsky, 1930; 1999, p. 55).
Ampliando um pouco mais a explicação do processo de internalização, Vigotski diz:

(...) [o] desenvolvimento, como freqüentemente acontece, não se move em círculo (...), mas ao longo de uma espiral, retornando em um plano superior a um ponto em que já passou.
Nós chamamos esta retirada da operação interna, esta internalização das funções psicológicas superiores conectadas com novas mudanças em sua estrutura, processos de revolução, tendo em mente principalmente o seguinte: o fato das funções psicológicas superiores serem construídas inicialmente como uma forma externa de comportamento e dependerem de um signo externo não é de forma alguma acidental, mas, ao contrário, é determinado pela natureza psicológica externa da função superior, que, como havíamos dito acima, não se origina como uma continuação direta dos processos elementares, mas é um método de comportamento aplicado no próprio indivíduo. (Vygotsky, 1930; 1999, p. 53).

Ao longo do desenvolvimento houve mudança de um processo que era interpessoal para um intrapessoal; é justamente essa estrutura qualitativamente nova que permite aos seres humanos controlar seu próprio comportamento.
Com o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores, há mudanças filogenéticas e ontogenéticas, assim como mudanças estruturais e funcionais:

Geneticamente, em termos de filogênese, a característica básica é o fato de que elas [funções psicológicas superiores] foram formadas não como um produto da evolução biológica, mas do desenvolvimento histórico do comportamento; preservam uma específica história social. Ontogenéticamente, do ponto de vista estrutural, sua característica é que, em contraste com as estruturas imediatas dos processos psicológicos elementares, que reagem diretamente aos estímulos, são construídos baseados na utilização dos estímulos mediados (signos), e por causa disso, têm caráter mediado. Finalmente, com respeito à função, elas são caracterizadas pelo fato de que desempenham um papel novo e essencialmente diferente em comparação às funções elementares, e surgem como produto do desenvolvimento histórico do comportamento. (Vygotsky, 1930; 1999, p. 37).

Assim sendo, para o autor russo é necessário investigar não somente os aspectos filo e ontogenéticos, mas também o desenvolvimento histórico da humanidade.

Se desejarmos estudar a psicologia do homem cultural adulto, devemos ter em mente que ela se desenvolveu como resultado de uma evolução complexa que combinou pelo menos três trajetórias: a da evolução biológica desde os animais até o ser humano, a da evolução histórico-cultural, que resultou na transformação gradual do homem primitivo no homem cultural moderno, e a do desenvolvimento individual de uma personalidade específica (ontogênese), com o que um pequeno recém-nascido atravessa inúmeros estágios, tornando-se um escolar e a seguir um homem adulto cultural. (Vygotsky; Luria, 1930; 1996b, p. 151).

Para Vigotski, Luria, Leontiev e outros pesquisadores é o processo de apropriação dos conhecimentos e experiências historicamente acumuladas que permite ao indivíduo a possibilidade de se tornar pertencente ao gênero humano, desenvolvendo as funções psicológicas superiores: “A civilização é uma conquista demasiado recente da humanidade para que possa ser transmitida por herança.” (Vygotski, 1931; 1996a, p. 55). A educação, na constituição dessas funções, tem papel fundamental na construção da humanidade em cada indivíduo singular por meio da própria história de humanização dos homens.
É importante ressaltar que o desenvolvimento das funções psicológicas superiores não extingue as funções psicológicas elementares, assim como as funções psicológicas superiores internalizadas não anulam as mediadas por estímulos externos, visto que Vigotski, fundamentado no materialismo histórico e dialético, não fazia a dissociação entre natural e social, entre os processos elementares e os superiores. O que ocorre é um domínio das formas superiores sobre as inferiores devido às diferenças qualitativas entre suas estruturas; há superação por incorporação.
E, assim sendo, “(...) as formas inferiores não se aniquilam, mas se incluem na superior e continuam existindo nela como instância submetida.” (Vygotski, 1931; 1995, p. 129).
As funções psicológicas internalizadas ficam cada vez mais interligadas, há uma mudança na relação existente entre as funções superiores, modificando a estrutura funcional da consciência e formando um novo sistema psicológico caracterizado pela intrínseca interconexão e inter-relação das funções. É esse sistema que dá ao indivíduo a percepção de totalidade do psiquismo.
Quanto mais o homem se apropria das objetivações humanas (genéricas), mais ele se individualiza, mais consciente ele está da produção de sua vida por sua atividade. Somente assim, em sua dimensão ontológica, do homem se tornando humano, é que poderemos pensar em liberdade, ou seja, na superação cada vez maior dos limites biológicos.
No caso específico da memória (capacidade de conservação e reprodução de informações), Vigotski aponta que a memória elementar caracteriza-se por ser involuntária e ter base biológica, tendo assim, uma relação direta e imediata com os estímulos externos. As informações armazenadas são muito próximas às detectadas pelos órgãos dos sentidos.

Essa memória [natural ou elementar] resulta da ação direta das impressões externas das pessoas e é tão direta quanto a percepção imediata, com a qual ainda não interrompe a conexão direta. Do ponto de vista estrutural, a mais importante característica desse processo como um todo é o imediatismo, uma característica que relaciona a memória da pessoa com a do animal; sendo correto chamá-la de memória natural. (Vygotsky, 1930; 1999, p. 46).

O autor russo aponta que com o desenvolvimento o indivíduo começa a utilizar instrumentos para a realização de suas atividades. Essas ferramentas medeiam a relação do homem com o mundo material, permitindo a estes uma maior liberdade, pois podiam ir além do que lhes era permitido pelo aparato biológico.
Com o auxílio dos instrumentos, o homem pôde dominar voluntariamente a memória: “O desenvolvimento histórico da memória começa a partir do momento em que o homem, pela primeira vez, deixa de utilizar a memória como força natural e passa a dominá-la.” (Vygotsky; Luria, 1930; 1996b, p. 114)[2]. O homem começa a utilizar o próprio corpo, madeiras, pedras e cordas como meios auxiliares em sua organização da vida cotidiana. Exemplos dessa utilização é o uso de pequenas pedras (cálculos) para contar os animais do rebanho ou o comportamento de contar nos dedos uma soma qualquer.
Ao transformar um objeto da natureza em instrumento, o homem teve que se apropriar da natureza e da sua (do homem) realidade social e conhecer as propriedades dessas realidades para transformar o objeto em instrumento.

Esse domínio, como se dá com o domínio de qualquer força natural ou elementar, só significa que, em certa medida, o desenvolvimento do homem acumula – no caso em questão – experiência psicológica e conhecimento adequado das leis, por meio das quais a memória opera e começa a incorporar essas leis. (Vygotsky; Luria, 1930; 1996b, p. 114).

Essa transformação de objeto em instrumento é o processo de objetivação, mas que só foi possível graças à apropriação que o homem fez da realidade e das propriedades do objeto. O objeto não sofreu apenas a ação humana, mas passou a comportar funções sociais criadas pelo homem. E para que esse objeto (objetivado) se tornasse realmente um instrumento, ele foi apropriado por outros homens como instrumento, que o objetivaram e o aperfeiçoaram ou criaram outros a partir do primeiro.
Um rico exemplo de memória mediada por estímulos externos é a escrita assim como outras manifestações culturais.

Tudo o que a humanidade enculturada lembra e conhece hoje em dia, toda a sua experiência acumulada em livros, vestígios, monumentos e manuscritos, toda essa imensa expansão da memória humana – condição necessária para o desenvolvimento histórico e cultural do homem – deve-se à memória externa baseada em signos. (Vygotsky; Luria, 1930; 1996b, p. 120).

Como já apontado há a internalização das funções psicológicas superiores, o indivíduo começa a sistematizar seu conhecimento, desenvolvendo ainda mais a memória mediada que, assim como seu pensamento, está sendo organizado por conceitos. A memória torna-se cada vez mais lógica, isto é, a memória intencional baseia-se no pensamento abstrato e se organiza em conceitos. Esses processos são, agora, predominantemente internos e “(...) ao chegar à adolescência, passa à mnemotécnica interna que pode ser denominada memória lógica ou forma interna de memorização mediada.” (Vygotski, 1931; 1996a, p. 137).
Percebe-se até aqui a mudança que ocorre na estrutura da memória, que passa de mneme (elementar) para mnemotécnica (superior), ou seja, de uma estrutura imediata para uma mediata, com um elo entre o estímulo e a ação, sendo que, como já explicitado, a forma superior supera por incorporação a inferior.
No entanto, como o desenvolvimento, não é somente a estrutura da memória que se modifica, mas também, e principalmente, modificam-se as relações que essa função psicológica estabelece com as demais; são estabelecidas relações interfuncionais assim como uma interconexão.
Recordar é, agora, buscar uma seqüência lógica e essa nova função está fundamentada em “(...) uma complicada fusão do pensamento e a memória, que tem recebido a denominação empírica de memória lógica.” (Vygotski, 1930; 1991, p. 76).
As funções psicológicas, cada vez mais, estão inter-relacionadas, isto é, cada função psicológica estabelece relações com as demais funções, proporcionando assim, um funcionamento integrado do psiquismo, a formação de um sistema psicológico.
Com a apropriação das formas superiores, o indivíduo (o adolescente e o adulto) começa a ter maior controle de suas ações e a memória passa a ser uma função do pensamento, ou seja, o indivíduo recorda ou memoriza um conteúdo que ele deseja e o faz por meio de signos auxiliares. Esses conteúdos memorizados são constituídos de elementos abstratos (assim como de conteúdos gráfico-visuais) e a memória baseia-se na lógica.
Desta forma Vigotski pôde estabelecer uma ligação entre as funções psicológicas superiores com o desenvolvimento cultural e o domínio da conduta, os três fundamentos dos estudos vigotskianos.
Com o desenvolvimento das funções psicológicas superiores é possível a ação voluntária do indivíduo; ação esta que não é imediata, como conseqüência direta dos estímulos ambientais: “(...) uma ação voluntária começa somente aonde um indivíduo controla seu próprio comportamento com a ajuda de estímulos simbólicos.” (Vygotsky, 1930; 1999, p. 36). Assim, o sujeito pode planejar sua ação, ação esta que se torna intencional, orientada pela realidade.
O autor russo considerava a memória uma função de suma importância para o comportamento voluntário. Por meio da evocação de conteúdos memorizados (armazenados) é possível ao indivíduo a elaboração de estratégias de ação, assim como permite ao sujeito que continue se lembrando dessas estratégias enquanto a ação é executada. Vigotski tanto valorizava essa função psicológica, que concordava com a proposição spinoziana de que “Intenção é memória.” (Spinoza, apud Vygotski 1932; 1993a, p. 374).
Em síntese, pode-se dizer que, segundo Vigotski, com a utilização dos meios auxiliares foi possível ao homem ir além de suas possibilidades e limitações naturais. A utilização dos instrumentos culturais é aprendida pelas crianças quando estas se apropriam dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade e começam a organizar suas funções psicológicas, tendo como base o uso de conceitos e abstrações. Essas funções psicológicas e, mais especificamente, a memória, são internalizadas, tornando-se intrapsicológicas, proporcionando ao sistema psicológico um funcionamento intencional. Assim, boa parte dos conteúdos recordados por um adulto, que tenha desenvolvido suas funções psicológicas superiores, são mediados por signos internos ou externos, como a escrita, que pode aumentar a possibilidade de controle da conduta e do livre arbítrio.

2. Memória, desenvolvimento e aprendizagem
Em toda a obra vigotskiana há uma intensa preocupação com a educação (1926; 2001a, 1932; 1993a, 1931; 1995), e em diversos momentos de sua obra ele discutiu a relação entre memória e educação.
Na obra ‘Psicologia pedagógica’ (1926; 2001b), Vigotski aponta que a memorização pode ser potencializada com exercícios (práticas de repetição, por exemplo), iniciando a discussão sobre o uso de relações especiais (associações). Em um segundo momento – após/durante suas investigações sobre as funções psicológicas superiores (1928-1934) – o autor russo passa a discutir a possibilidade de controlar/melhorar a memorização, tendo como referência à memória mediatizada por instrumentos externos (como a escrita) ou internos (linguagem).
Essa nova forma de abordar o desenvolvimento psicológico (ou seja, em sua materialidade, historicidade e dialeticidade) permitiu a Vigotski compreender o desenvolvimento em sua totalidade, integrando não só educação e memória, mas o desenvolvimento da memória com as demais funções psicológicas (sistema psicológico) e educação e desenvolvimento. Os dois primeiros tópicos apontados já foram aqui sucintamente discutidos, fazendo-se necessária a abordagem mais específica do último – a relação educação/desenvolvimento.
De toda a obra vigotskiana, essa relação (em outros termos, a relação ensino-aprendizagem, tendo como núcleo a zona de desenvolvimento proximal) é uma das mais, se não a mais, debatida e aplicada, como indicam Wertsch e Tulviste (2002) e Silva (2003). No entanto, aqui essa relação será investigada tendo a memória como eixo.
Nos textos de Vigotski não há explicitamente uma definição de aprendizagem. Ter-se-á, pois, que deduzir esse significado, tendo a relação desenvolvimento/ aprendizagem e o conceito de zona de desenvolvimento proximal como referências.
Diferentemente dos autores de sua época, Vigotski entende que a aprendizagem e o desenvolvimento seguem linhas diferentes e que suas inter-relações não são simétricas nem paralelas. Para o autor “(...) o processo de desenvolvimento não coincide com o da aprendizagem, o processo de desenvolvimento segue o da aprendizagem, que cria a zona de desenvolvimento potencial.” (Vigotskii, 1933; 1994, p. 116).[3]
Para Vigotski, a zona de desenvolvimento proximal é “A diferença entre o nível das tarefas realizáveis com o auxílio dos adultos e o nível das tarefas que podem desenvolver-se como uma atividade independente define a área de desenvolvimento potencial da criança.” (Vigotskii, 1933; 1994, p. 112). Com isso, a aprendizagem, como expressara Vigotski nesse mesmo texto, é fonte do desenvolvimento, impulsionadora deste e, num movimento dialético, por ele impulsionada.
É importante explicitar que a zona de desenvolvimento proximal não é exclusiva dos primeiros anos do desenvolvimento. Nos textos vigotskianos em geral ela tem a criança como foco (por exemplo, 1933; 1994; 1934; 1996c, 1934; 1993b); no entanto, essa proposição é válida para qualquer idade. Faz-se necessário explicar tal afirmativa e para tal retomar-se-á à questão da aprendizagem.
Tendo os escritos citados de Vigotski como referência primária e sua obra total como base, pode-se definir aprendizagem como sendo a apropriação pelo indivíduo dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade, compreendendo estes desde as produções acadêmicas/formais até os hábitos cotidianos de uma sociedade; enfim, é a apropriação das ações práticas e teóricas elaboradas social e historicamente. Nessa conceituação está sintetizada tanto a aquisição de conteúdos quanto a consolidação dos mesmos na memória e a conexão dinâmica dessas informações com os demais conteúdos anteriormente apropriados pelo indivíduo em sua atividade.

É somente pela aprendizagem em suas formas especificamente humanas, isto é, quando há a transmissão de indivíduo para indivíduo das ações práticas e teóricas elaboradas socialmente, que este processo, impressionante em sua complexidade e cheio de contradições dialéticas, é completado. (...) a assimilação que ocorre durante o processo de aprendizagem também resulta em adaptação à atividade que não é somente resposta às características específicas da existência humana, mas uma atividade que responde à existência de ambos no mundo material e no mundo das relações humanas e também no mundo da idéias, conceitos e conhecimento em que a experiência da atividade social geral é refletida. Aprendizagem, então, é uma forma de manifestação da vida do homem: respondendo às suas necessidades e motivos vitais; ela é intencionalmente motivada e é por si mesma capaz de tornar-se um fim. Ela é, portanto, sujeito de leis internas, as leis que dirigem o desenvolvimento da vida do indivíduo. (Leontiev, 1961, pp. 243-244).

Essa definição quase que por si só explica o conceito de zona de desenvolvimento proximal e o porquê dela ser válida para todos os indivíduos independentemente da idade. Como já exposto, os processos psicológicos superiores são, de início, exclusivamente externos, internalizados pelo indivíduo ao longo de seu desenvolvimento, à medida que o sujeito apropria-se dos produtos humano-genéricos. Em um segundo momento, essas funções psicológicas, por suas inter-relações, formam um sistema psicológico com um centro único, a personalidade.

Dito isto, não é necessário sublinhar que a característica essencial da aprendizagem é que engendra a área de desenvolvimento potencial, ou seja, que faz nascer, estimula e ativa na criança um grupo de processos internos de desenvolvimento no âmbito das inter-relações com os outros, que, na continuação, são absorvidos pelo curso anterior de desenvolvimento e se convertem em aquisições internas da criança. (Vigotskii, 1933; 1994, p. 115).

Quando um conteúdo é aprendido, o indivíduo memorizou aquelas informações que, em conexão com aquelas por ele já apropriadas, são significadas ou re-significadas; isto é, o indivíduo promove a síntese de seus conhecimentos, alterando assim sua compreensão da realidade.
Essa alteração – ou seja, o quanto, o que e até mesmo quando, haja vista que um dado conhecimento pode ter novas significações durante o tempo – é muito variável, pois depende não só dos conteúdos apropriados, mas também de como o indivíduo significou estes conhecimentos (sentido pessoal) e do tipo de apropriação que foi realizado, se baseado em conceitos espontâneos ou científicos, se na cotidianidade ou por meios sistematizados, assim como por quais caminhos esse conhecimento chegou a ele.
Todo o aprendizado ocorre em conexão com as emoções envolvidas nesse processo, assim como com os conhecimentos anteriormente apropriados pelo indivíduo. Muitas vezes os conteúdos memorizados não têm uma relação direta com os já adquiridos pelo indivíduo ou são indiferentes ou frustrantes, mas é possível que esse conhecimento seja re-significado em um outro momento se houver aprendizado de novos elementos por meio da atividade.
Nesse ponto a educação tem um papel fundamental. Nas palavras de Saviani (1989, p. 86) “Se a educação é mediação, isto significa que ela não se justifica por si mesma mas tem sua razão de ser nos efeitos que se prolongam para além dela e que persistem mesmo após a cessação da ação pedagógica.”
Os efeitos que persistem não estão somente nos indivíduos que puderam desenvolver suas funções psicológicas superiores e que agem intencionalmente na realidade, mas também persistem, principalmente, na sociedade que se constrói pelo trabalho conjunto desses indivíduos.
Não é demais reafirmar que nesse processo o indivíduo deve ser compreendido como um todo e que aqui se está evidenciando os processos mnemônicos, embora estes certamente não existam sozinhos. “Em realidade, a mudança das conexões interfuncionais, isto é, a mudança da estrutura funcional da consciência é o que constitui o aspecto central de todo o processo de desenvolvimento psicológico.” (Vygotski, 1934; 1993b, pp. 210-211).
Exemplificando essa interconexão e inter-relação das funções psicológicas e a integração da consciência, tomemos um estudante qualquer que se prepara para um exame, lendo um livro: a percepção do mundo a sua volta se altera, a atenção centra-se no texto, nos pontos mais importantes que devem ser memorizados; o pensamento estabelece relações lógicas sobre o conteúdo estudado, além de organizar as outras funções. Nesse processo está envolvida também a linguagem, tanto a escrita (texto) quanto a interior, que auxilia no estudo.
Tornando um pouco mais complexa essa situação hipotética, o estudante precisa criar um tema de pesquisa inédito e o conteúdo do texto que ele está lendo é o principal argumento para o possível tema. Para resolver essa tarefa não basta ao estudante reproduzir os projetos e pesquisas estudados; um tema inédito exige a criação de algo novo (imaginação criadora) e para tal é imprescindível, além de um amplo conhecimento dos produtos culturais da humanidade, que ele tenha controle de suas ações, de sua conduta. Nesse processo estão envolvidos os motivos geradores da ação, os afetos e as emoções. Dependendo de quais motivos e afetos estão encerrados na atividade, o desempenho do estudante será mais ou menos eficaz. Supondo que o aluno esteja fazendo a tarefa obrigado e não tem o mínimo interesse nos resultados e processos de seu trabalho, pode-se supor que sua atenção será baixa ou que terá que se esforçar mais para mantê-la em um nível satisfatório. Conseqüentemente, a memorização será afetada, assim como os demais processos psicológicos, pois estes funcionam como uma totalidade, inter-relacionados. Com esse exemplo pode-se observar a interconexão das funções psicológicas e o quão é importante o desenvolvimento das formas superiores para o domínio da conduta. Pode-se observar também o quanto as ações cotidianas (e não cotidianas) dependem das informações apreendidas pelo indivíduo em sua história de vida, seja para escrever, falar, criar, planejar o futuro, sendo necessária a recordação de informações. Pode-se observar também o quão é importante é o desenvolvimento das formas superiores do psiquismo para o domínio da conduta.
Tendo em vista esta dependência das informações apropriadas (memorizadas) pelo indivíduo, é possível ao educador – e às pedagogias que os fundamentam – desconsiderar a memória enquanto processos de relevância ímpar para o desenvolvimento do indivíduo? Certamente não! No entanto, a história da relação educação-memória não é nada amistosa.
É bastante conhecido o uso que a pedagogia tradicional fez (e faz) do decorar, ou em outras palavras, da memorização mecânica (ou por repetição) de conteúdos. Tal modelo de aprendizagem é claramente expresso nas formas de avaliação desta pedagogia, cuja principal característica é a reprodução, palavra por palavra, ipsis litteris, das palavras do professor/livro.
Assim sendo, os processos mnemônicos neste modelo restringem-se à memória mecânica, estudada por Ebbinghaus (1964) no final do século passado. As curvas de memorização e esquecimento por ele elaborado são a principal referência para se justificar sua eficiência.
Já o modelo pedagógico subseqüente a este, o escolanovista, desconsiderou totalmente a investigação e a utilização de recursos mnemônicos como instrumento de aprendizagem. Na ânsia de se contrapor aos pontos críticos da pedagogia tradicional, os autores escolanovistas desconsideraram os procedimentos de ação tradicional junto com processos importantes (como os relacionados à memória) envolvidos na relação ensino-aprendizagem. Houve (e há) neste modelo uma supervalorização dos aspectos emotivos e procedimentos envolvidos na educação em detrimento do aprendizado de conteúdo. Esta pedagogia “(...) considera que o importante não é aprender, mas aprender a aprender.” (Saviani, 1989, p. 21).
Atualmente há uma tendência em resgatar os estudos da memória (utilizando exclusivamente os modelos das neurociências) em diversas teorias educacionais e psicológicas (cf. Gentile, 2003). Existem diversos modelos explicativos do funcionamento e estrutura da memória nas neurociências, variando de uma para a outra de acordo com as referências teórico-metodológicas dos pesquisadores que as elaboraram. O que ocorre em algumas das teorias educacionais é uma mera e plena transposição desses modelos para a realidade escolar, o que pode acarretar em uma redução dos complexos processos que envolvem a memória e a educação a modelos puramente biológicos.
Isto posto, faz-se necessário que o educador vá além destas três posições. No entanto, como isto é possível? Que ações são necessárias para que o educador não entenda a memória como um depósito ou como um monstro responsável pelos dilemas da educação contemporânea?
Primeiramente, e essencialmente, é necessário que o educador conheça a estrutura e o funcionamento dos processos mnemônicos, tanto em seus aspectos neurais (pelo menos em seus aspectos gerais, tomando, é claro, o cuidado para não se restringir à elas) quanto aos demais aspectos, como por exemplo, a relação da memória com as outras funções psicológicas, as várias formas de se organizar o espaço escolar e o trabalho educativo para que os conteúdos sejam efetivamente memorizados. Enfim, o educador deve conhecer o que é e como funciona a memória tanto filo quanto ontogenéticamente.
Isto é necessário para que os educadores planejem suas aulas tendo em vista o como os alunos aprendem, seus diversos tipos de memória e a melhor forma de apropriação de conteúdos pelos discentes, elaborando assim os melhores caminhos e técnicas para fazê-lo.
Posteriormente, o educador deve organizar a transmissão dos conteúdos escolares de tal forma que haja não somente a memorização das informações, mas que também haja a relação/aproximação destes conteúdos com os outros já aprendidos, assim como com a sua vida cotidiana. Desta forma é relevante o planejamento da seqüência dos conteúdos, o melhor encadeamento das informações para que sujeito possa relacionar os conteúdos corretamente promovendo assim um efetivo desenvolvimento do indivíduo e uma ampliação de sua zona de desenvolvimento proximal.
Os elementos aprendidos são relacionados com os demais, desconstruindo a idéia de que cada conteúdo/disciplina é uma gaveta/receptáculo sem conexão com os outros conhecimentos. Assim, os conhecimentos apropriados podem ser compreendidos em sua totalidade e não de forma fragmentada, como um arquipélago de informações.
Entende-se aqui que este pode ser um rico instrumento para que o aluno (assim como o professor) passe a significar a educação/sistema educativo de uma outra maneira, valorizando-a, pois participará efetivamente do processo ensino-aprendizagem.
Por fim, é necessário uma dupla ressalva:
1. o modelo vigotskiano de estrutura e funcionamento da memória é bastante rico e pode contribuir muito para a ação educativa. No entanto, nos últimos anos houve avanços significativos no estudo da memória, sendo necessário também o estudo e compreensão dos modelos atuais.
2. ressaltamos aqui, por um simples fato de delimitação de tema, a memória. É de extrema importância investigá-la, estudá-la e compreende-la em relação com as demais funções psicológicas, com o conhecimento do ambiente/realidade e, mais especificamente na relação com a educação, conhecer as políticas educacionais e modelos pedagógicos envolvidos no processo educativo.

3. À guisa de conclusão
Vigotski elaborou e iniciou um grande projeto de psicologia, com seus interesses abarcando uma extensa gama de áreas indo desde os estudos sobre fisiologia dos processos nervosos até a filosofia e história da psicologia.
Nos estudos vigotskianos sobre memória esta característica fica evidente, haja vista que o autor discutiu tanto a organização e funcionamento cerebral quanto as concepções de homem/mundo que fundamentaram as investigações sobre a psicologia da memória.
Para Vigotski era essencial a apropriação pelo indivíduo dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade. Essas informações (memorizadas pelo sujeito) são o substrato da ação presente e do planejamento da ação futura, ou seja, eles são o fundamento do controle da conduta, não sendo exagero afirmar que, para o autor russo, a memória cumpria um papel central na atividade teleológica; tanto que ele aceitava a premissa spinoziana de que intenção é memória.
Apesar dos conteúdos memorizados serem o fundamento da ação intencional, faz-se relevante ressaltar que essa condição é necessária, porém não suficiente, para o processo de humanização do indivíduo. Para tal é urgente o desenvolvimento pleno das funções psicológicas superiores (e da consciência) e, mais do que isso, a mudança radical das condições concretas de existência do indivíduo para que, enfim, os homens passem do reino da necessidade para o reino da liberdade, no qual este possa ser livre.
Dessa forma, vê-se a intrínseca relação entre memória e conhecimento; conhecimento e educação; educação e aprendizagem; aprendizagem e desenvolvimento ontogenético; ontogênese e sociedade; sociedade e história e, por fim, reiniciando o processo em espiral, entre história e memória.


4. Referências

EBBINGHAUS, Hermann. Memory: a contribution to experimental psychology. Tradução: Henry Ruger e Clara Bussenius. New York: Dover, 1964. 123 p.

ENGELS, Friedrich (1876) Humanização do macaco pelo trabalho. IN: _____. Dialética da Natureza. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. 215-228.

GENTILE, Paola. Lembre-se: sem memória não há aprendizagem. Revista Nova Escola. Ano XVIII, n. 163, p. 42-47, junho/julho 2003.

ILYENKOV, Evald Vasilyevich. Lógica dialéctica. Ensayos sobre historia e teoría. 2. ed. La Habana: Editorial Ciencias Sociales, 1984. 271 p.

KOPNIN, Pável V. A dialética como lógica e teoria do conhecimento. Tradução: Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. 354 p.

LEONTIEV, Alexis N. Learning as a problem in psychology. IN: O’CONNOR, N. (org) Recent Soviet Psychology. London: Pergamon Press, 1961. p. 227-246.

LEONTIEV, Alexis N. (1959) O desenvolvimento do psiquismo. Tradução: Manuel Dias Duarte. Lisboa: Livros Horizontes, 1978. 352p.

MARX, Carlos. (1867) El Capital: crítica de la Economía Política. Libro I. Buenos Aires: Cartago, 1974. 799 p.

SAVIANI, Demerval. Escola e democracia. 21 ed. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989. 130 p.

SILVA, Flávia Gonçalves. Os conceitos de Vigotski no Brasil: uma análise da produção divulgadas nos Cadernos de Pesquisa. 2003. 184 p. Dissertação (Mestrado em Educação: Psicologia da Educação) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.

VIGOTSKI, Lev Semiónovich. (1926) Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001a. 561 p.

VIGOTSKI, Lev Semiónovich. (1926) Reforço e reprodução das reações. IN: Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001b. p. 181-211.

VIGOTSKII, Lev Semiónovich. (1933) Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. IN: VIGOTSKII, L.S. LURIA, A.R.; LEONTIEV, A.N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Tradução: Maria da Penha Villalobos. 5 ed. São Paulo: Ícone/ Edusp, 1994. p. 103-117.

VYGOTSKI, Lev Semiónovich. (1930) Sobre los sistemas psicológicos. IN: Obras escogidas, tomo I. Madrid: Visor/MEC, 1991. p. 71-93.

VYGOTSKI, Lev Semiónovich. (1932) La memoria y su desarrollo en la edad infantil. IN: Obras escogidas, tomo II. Madrid: Visor/MEC, 1993a. p. 369-381.

VYGOTSKI, Lev Semiónovich. (1934) Pensamiento y lenguaje. IN: Obras escogidas, tomo II. Madrid: Visor/MEC, 1993b. p. 09-348.

VYGOTSKI, Lev Semiónovich. (1931) Historia del desarrollo de las funciones psíquicas superiores. IN: Obras escogidas, tomo III. Madrid: Visor/MEC, 1995. p. 11-340.

VYGOTSKI, Lev Semiónovich. (1931) Paidologia del adolescente. IN: Obras escogidas, tomo IV. Madrid: Visor/MEC, 1996a. p. 11-248.

VYGOTSKI, Lev Semiónovich. (1934) Problemas de la psicología infantil. IN: Obras escogidas, tomo IV. Madrid: Visor/MEC, 1996c. p. 249-386.

VYGOTSKY, Lev Semiónovich. (1930) Tool and sign in the development of the child. IN: The collected works of L. S. Vygotsky. New York: Kluwer Academic/ Plenum Press, 1999. 01-68.

VYGOTSKY, Lev Semiónovich; LURIA, Alexandr Romanovich. (1930) Estudos da história do comportamento: símios, homem primitivo e criança. Tradução: Lólio Lourenço de Oliveira. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996b.

WERTSCH, James V.; TULVISTE, Peeter. L.S. Vygotsky e a psicologia evolutiva contemporânea. IN: DANIELS, Harry. Uma introdução a Vygotsky. São Paulo: Loyola, 2002. p. 61-82.
[1] O primeiro ano refere-se à data da publicação original e a segunda ao ano da edição utilizada. Essa distinção só será apresentada nas obras que se julgar necessário para situá-las no tempo.

[2] Tal posição (que pode ser estendida às demais funções psicológicas superiores) parece ter fundamento na passagem de Engels (1876; 1985, p. 224): “(...) somos a cada passo advertidos de que não podemos dominar a Natureza como um conquistador dominando um povo estrangeiro, como alguém situado fora da Natureza; mas sim que lhes pertencemos, com a nossa carne, com o nosso sangue, nosso cérebro; que estamos no meios dela; e que nosso domínio sobre ela consiste na vantagem que levamos sobre os demais seres de poder chegar a conhecer suas leis e aplicá-las corretamente.”
[3] A área de desenvolvimento potencial é outra denominação para zona de desenvolvimento proximal. O nome dado varia entre as traduções, sendo a expressão proximal a que mais se aproxima do termo russo utilizado por Vigotski.

3.7.07

Conheça a arqueologia Brasileira

Conheça a arqueologia Brasileira
A arqueologia brasileira tem evoluído muito nos últimos anos. Prova disso são os sítios arqueológicos importantes que foram e estão sendo explorados em várias partes do Brasil. Confira, a seguir, alguns dos sítios brasileiros mais importantes.


São Raimundo Nonato, Piauí
Foi no ano de 1992 que uma descoberta incrível foi feita. A arqueóloga Niède Guidon, após realizar escavações no sítio Boqueirão da Pedra Furada, no estado do Piauí, conseguiu as evidências arqueológicas brasileiras mais antigas até então, 48.000 anos. Nesse mesmo local, haviam sido identificados vestígios de populações humanas de 6.000 anos atrás, depois de 30.000 anos, até chegar a 48.000 anos.

Essas datas têm uma importância científica ainda maior, pois contrariam uma das teorias da ocupação humana nas Américas. De acordo com essa teoria, há 12.000 anos, caçadores de mamute teriam vindo da Ásia até o Alasca, aproveitando uma ponte de gelo no Estreito de Behring, formada no final da última grande glaciação, iniciando a civilização americana. Os primeiros homens teriam chegado ao Brasil 10.000 anos atrás. As evidências materiais de São Raimundo Nonato provam que os homens chegaram bem antes ao nosso continente, e o que aconteceu 12.000 anos atrás foi um dos movimentos de ocupação das Américas, mas não o primeiro.

Quando começou o primeiro processo de povoamento das Américas, como ele ocorreu e quem foram esses pioneiros são questões que ainda estão para ser respondidas. E sítios como o do Piauí certamente ajudarão a trazer respostas a essas dúvidas.
Já a Serra da Capivara (Estado do Piauí), abriga um dos sítios arqueológicos mais ricos do mundo. São 25.000 desenhos que, juntamente com utensílios de pedra, ossos e vestígios de fogueiras, provocam uma revisão da história do homem no continente americano.


Canudos

Muitos certamente já ouviram falar da Guerra de Canudos, uma das mais sangrentas e violentas de todos os tempos em nosso solo. E, para provar que a arqueologia não mexe somente com acontecimentos de milhares ou milhões de anos atrás, ela resolveu ajudar a compreendermos melhor esse fato marcante de história brasileira.

A guerra aconteceu no fim do século XIX, no sertão da Bahia. Os participantes foram o exército brasileiro e os habitantes do povoado de Canudos, liderados pelo mítico Antônio Brasileiro. A repressão organizada pelo governo federal causou a morte de dezenas de milhares de pessoas.

Em 1902, Euclides da Cunha, que esteve presente no conflito, escreveu um livro que relatava o que ele havia presenciado, e que foi chamado de “Os Sertões”. O grande sucesso da obra ajudou a divulgar essa página triste de nossa história, fazendo com que várias pessoas tomassem conhecimento do acontecido.


Depois do lançamento de “Os Sertões”, uma série de outros livros e estudos científicos foram levados a cabo, todos tentando compreender melhor a tragédia de Canudos, que foi fundada em 1893 por Conselheiro e seus seguidores. Em 1897, quando a guerra acabou, foi realizada uma reocupação do povoado de Canudos. Mas, na década de 1970, os moradores tiveram que se retirar, pois um açude iria ser construído no local. Essa obra deixou Canudos literalmente naufragado e inacessível.

Somente em 1996, perto do aniversário de 100 anos do fim da guerra, ruínas começaram a aparecer. As secas freqüentes fizeram com que o açude secasse completamente em vários pontos, deixando o vilarejo, ou o que sobrou dele, pronto para ser explorado. A primeira expedição arqueológica começou seus trabalhos em outubro de 1999.

Infelizmente, pelo menos para a equipe exploradora, fortes chuvas apareceram após a primeira etapa de campo. O açude foi inundado novamente. Apesar do contratempo, foi possível reunir vários vestígios e estruturas que, após serem analisados e documentados, foram essenciais para ajudar na compreensão da ocupação e do conflito de Canudos, trazendo informações desconhecidas até então. Trincheiras, barricadas, partes de habitações da época, rastros de acampamentos e sepulturas foram encontrados.

O modo de vida dos seguidores de Conselheiro, seu cotidiano, a visão do próprio Antônio Conselheiro e, claro, a guerra, puderam ser melhor compreendidos graças ao trabalho e as conclusões a que chegaram a equipe de arqueólogos que se instalou no semi árido da Bahia.

Sambaquis

Entre 6.000 e 8.000 anos atrás, uma parte do nosso litoral, que ia desde São Paulo até o rio da Prata, foi ocupada por populações que viviam da exploração do oceano, dos mangues e das lagunas, pescando e coletando moluscos. Além disso, também trabalhavam com outros produtos vegetais e costumavam construir monumentos com conchas. Sua presença na região é estimada em 5.000 anos, e o auge de seu desenvolvimento aconteceu entre 4.000 e 2.000 anos. Os avanços e recuos do mar no período fazem com que seja extremamente árduo precisar os movimentos dessa população.

Os sambaquianos, como ficaram conhecidos, costumavam acampar perto de mangues e se protegiam do vento e do mau cheiro através da elevação formada lentamente pela sobreposição dos restos de conchas e moluscos. Sobre os montes formados por mariscos, eles construíam suas casas. Seu nome, aliás, vem daí. Sambaqui é uma palavra originária do tupi, e quer dizer amontoado de mariscos (tampa = marisco e ki = amontoado). O tipo físico padrão dos sambaquianos era 1,61m de altura, crânio alto e nariz largo. Essa descrição foi possível graças aos vários sepultamentos que expedições arqueológicas descobriram.

Em Santa Catarina, foram encontrados vestígios desse povo antigo e muito interessante.
Nos sítios catarinenses explorados, foram encontrados vestígios de fogueiras, de moradias, alimentos e sepultamentos, entre outras evidências que ajudaram a contar a história desse povo. Instrumentos de caça e outros, como pontas em osso, lâminas de machado, quebra-coquinhos, agulhas, pesos de rede, anzóis, etc., também foram descobertos.

Um dos maiores legados dos sambaquianos foram suas esculturas, que são, sem dúvida, uma das formas de expressão mais impressionantes de nossa pré-história. Tratam-se de peças feitas em pedra, conhecidas como zoolitos, quando representam animais ou antropolitos, quando retratam humanos. Cálculos feitos indicam que um peixe, por exemplo, demoraria por volta de 200 horas pra ser finalizado, desde o lascamento até o acabamento final. Infelizmente, muito desse trabalho se perdeu, por diferentes razões. Alguns desavisados simplesmente retiravam as conchas empilhadas e as transformavam em cal, sem saber de seu valor histórico. Estradas que passavam no meio dos povoados sambaquis foram construídas, destruindo todo a herança deixada por eles. Para completar, pessoas conscientes do valor das peças que ali estavam, se apropriaram delas, criando coleções particulares. Foi somente no ano de 1961, é que essa herança passou a ser preservada, através de uma lei que visava preservar os sítios arqueológicos sambaquis.


Ilha de Marajó

A Amazônia, como um todo, é e foi palco de diversas tribos indígenas, todas elas contribuindo com sua própria cultura rica e peculiar. Vamos destacar, porém, um povo em particular, o que ocupou a Ilha de Marajó. Desde o final do século XIX, os marajoaras têm chamado a atenção de pesquisadores e curiosos, principalmente depois da descoberta de cerâmica enterrada em enormes aterros artificiais. Os arqueólogos pioneiros na ilha foram os americanos Betty Meggers e Clifford Evans. Na época, chegaram à conclusão que, devido à riqueza da produção local, os habitantes da ilha eram migrantes dos Andes. Essa concepção, porém, não é mais adotada atualmente. Estudos mais recentes indicam que a cultura marajoara era realmente local, e que seus primeiros habitantes datam de 3.500 anos atrás.

Uma das principais características da arquitetura local são os tesos. Eles são aterros gigantes, que podem chegar a até 12 metros de altura por 200 metros de comprimento. As aldeias marajoaras eram construídos em seus topos. A razão de sua construção e do posicionamento das aldeias é muito simples. A ilha estava sujeita a alagações freqüentes, que a deixavam inundada metade do ano, e os tesos protegiam seus habitantes. Com o passar do tempo, os tesos também passaram a ter um significado simbólico – eles representavam o poder dos caciques. Os marajoaras também desenvolveram ideogramas, que se combinavam e se repetiam. Outra contribuição magnífica dos marajoaras são os ideogramas, que se combinavam e se repetiam. Narrativas gravadas em sua cerâmica fazem referência à cultura local, destacando animais como lagarto, escorpião e a jararaca. Estudos feitos permitiram entender a lógica dessas narrativas. Essa forma de expressão, porém, não quer dizer que eles dominavam uma espécie de escrita.

Outros destaques

Existem centenas de sítios arqueológicos catalogados no Brasil, que exploram desde a pré-história até o século XIX. Veja, abaixo, alguns destaques da arqueologia nacional.

O crânio mais antigo das Américas foi encontrado nas cavernas da região de Lagoa Santa, em Minas Gerais. Ele é de cerca de 11.000 anos atrás. Por se tratar de uma mulher, foi batizada de Luzia, em uma alusão a Lucy, o fóssil humano mais antigo encontrado, na África, com idade aproximada de 2 milhões de anos.

No Vale do Peruaçu, em Minas Gerais, encontram-se os mais belos exemplares de arte rupestre já vistos por aqui. Suas principais características são o uso intenso de cores e o os grafismos geométricos. Esses jogos de cores, inclusive, fazem com que esses desenhos sejam considerados superiores aos já vistos na Europa. As obras mais recentes são de 2.000 anos atrás, as mais antigas, de 11.000.

No Rio Grande do Sul, viveu o chamado Povo das Casas Subterrâneas, indígenas pré-históricos que se estabeleceram por lá. Eles, para se protegerem do frio do inverno, construíram aldeias formigueiro, que eram, na verdade, cerca de 30 moradias escavadas na terra, que os mantinham aquecidos.