4.10.08

Uma breve história do trabalho

A crise da ordem feudal, fundada na subsistência e na servidão, e o desenvolvimento do comercio e das atividades manufatureiras organizaram uma nova estrutura social: a instituição do sistema capitalista, com base na divisão dasociedade em classes sociais.
O crescimento do mercado não só conviveu por algum tempo com antigas formas de servidão, como fez renascer uma escravidão de novo tipo: o trabalho forçado dos africanos nas colônias da América. Mas para as elites quecomandavam a implantação desse sistema, o trabalho livre era a forma ideal.
Essa é por excelência a concepção burguesa da liberdade individual do homem: ele é livre para usar a força de seu corpo como máquina natural e para escolher de modo soberano o que deseja para si mesmo. Se ao escravo na América não era dada a oportunidade da escolha, ao trabalhador europeu era concedido o direito soberano da liberdade.
Mas a busca da produção de excedentes para a troca no mercado, mediante a introdução de novas técnicas de produção e de organização do trabalho, fazia desaparecer a propalada livre escolha. Afinal como seria possível o trabalhador sobreviver numa economia de mercado, senão submetendo-se às imposições de quem detinha os recursos que o sistema exigia? Assim, o artesão que na manufatura medieval detinha as ferramentas e uma autonomia no uso de seu tempo, desapareceu, submetendo-se ao império do capital.
Ocorreu, portanto, a separação entre o trabalhador e a propriedade dos meios de produção (capital, ferramentas, máquinas, matérias-primas, terras).
Desse modo a essência do sistema capitalista encontra-se na separação entre o capital e o trabalho.
Essa separação criou dois tipos de homens livres: o trabalhador livre assalariado, que vivia exclusivamente de seu trabalho, ou seja, da venda de sua força de trabalho, e o burguês, ou capitalista, proprietário dos meios de produção.
A novidade em relação aos modelos anteriores de sociedade é que, ao conceder a liberdade para todos os indivíduos, a sociedade estabeleceu uma espécie de contrato social, em que ficavam definidos os direitos e deveres de cada parte. Instituía-se nesse momento a divisão da sociedade em classes sociais.
O novo conceito dado ao trabalho possuía uma dupla face: de um lado, o trabalho como fruto da vontade e de objetivos livremente determinados (o trabalho dos proprietários dos meios de produção); de outro o trabalho mecânico e subordinado a uma vontade exterior (o trabalho dos indivíduos que não possuem os meios de produção). O período da Revolução industrial, nos séculos XVIII e XIX, foi o momento em que essa separação se consolidou. Teóricos do novo sistema descobriram no trabalho a fonte de toda riqueza.
Em 1776, Adam Smith afirmava que a riqueza de uma nação dependia essencialmente da produtividade baseada na divisão do trabalho. Por essa divisão, as operações de produção de um bem, que antes eram executadas por um único homem (artesão), são agora decompostas e executadas por diversos trabalhadores, que se especializam em tarefas específicas e complementares.
A divisão do trabalho defendida por Adam Smith teria a função de destruir o“saber fazer” do artesão, subordinando-o à nova tecnologia da maquinofatura.
Para tornar vitoriosa a nova ordem, procurou-se eliminar qualquer forma de resistência. Impôs-se um modelo de sociedade em que só o trabalho produtivo fabril imperava. Quem se encontrasse fora desse modelo era expurgado da sociedade. A grande massa de europeus que imigraram para a América no século XIX pode ser tomada como exemplo desse expurgo.
A resposta às tensões do século XIX não foi a redução da pressão social. Ao contrário, a solução encontrada foi a busca de maior produtividade, sofisticando mais a divisão do trabalho iniciada com a fábrica do século XVIII. Pela ótica dos patrões, era preciso formar o homem dócil em oposição ao trabalhador politizado e sindicalizado. Para isso, precisava-se quebrar mais ainda a sua resistência. O taylorismo e o fordismo surgiram como estratégias para domesticar o trabalhador.
O Taylorismo
É um sistema de relações de trabalho elaborado com base nos estudo do norte-americano Frederick W. Taylor (1856 – 1915). Os princípios tayloristas de produtividade e tempo útil já se encontravam nos escritos de Adam Smith, de 1776. Taylor apenas aperfeiçoou essas concepções utilizando-se de um sofisticado sistema de controle.
Segundo Taylor, a produção dependia muito da boa vontade do trabalhador. Como só trabalhava porque era obrigado, o trabalhador, sempre que não estava sob o olhar do patrão ou do contramestre, fazia “corpo mole” e “matava o serviço”.
Para aumentar a produção e garantir ao capitalista a expansão de seu mercado e de seus lucros, era preciso quebrar a prática da indolência e da preguiça entre os trabalhadores. Para isso, Taylor propunha aperfeiçoar a já existente divisão entre o trabalho intelectual de planejamento, concepção e direção e o trabalho manual da produção direta. A função do trabalho intelectual era eliminar qualquer autonomia do trabalhador braçal na produção. Enquanto o primeiro pensa e dirige, o segundo não pensa (ou não deve pensar) e obedece.
Taylor sugeria o estudo detalhado de todas as operações de produção, decompondo as tarefas em movimentos elementares e ritmados pela velocidade da máquina. O tempo produtivo do trabalhador é medido pelo ritmo cronometrado da máquina.
Para executar essas tarefas pouco complexas, Taylor idealizava o operário do tipo bovino: o “homem-boi”, imbecil, forte e dócil. Desse modo, eliminava-se aquele trabalhador politizado e resistente ao controle. O método, ao pretender “punir os indolentes” e “premiar os produtivos”, ocultava o interesse na domesticação do trabalhador-cidadão.
O Fordismo
Introduzido por Henry Ford (1886 – 1947) na fabricação em massa de automóveis, foi uma continuidade do taylorismo. Sua principal inovação – a linha de montagem – consistia na inclusão de uma esteira rolante que transportava as peças de montagem. Impedido de locomover-se, pois as peças eram transportadas até ele, o trabalhador se confundia com a própria máquina e era obrigado a manter um ritmo-padrão de tempo e de produção. Esse método exigia apenas atividade motora e dispensava qualquer possibilidade de iniciativa própria.
Ford despersonalizou a tal ponto o trabalhador que, mesmo tendo-se elevado os salários, verificou-se um alto índice de rotatividade nas fábricas. Tornada insuportável a vida dentro da produção, o trabalhador, sempre que encontrava uma oportunidade, pressionava para obter maiores salários ou demitia-se.
Dissimulados em “progresso tecnológico”, o taylorismo e o fordismo ainda hoje brutalizam o trabalhador, reduzindo-o a um mero autômato cumpridor de ordens e de ritmos estranhos a sua vontade e à sua natureza. Ambos são formas de organização da produção que se encontram disseminadas em praticamente todos os tipos de trabalho, como nas fábricas, nos grandes escritórios, nos bancos, etc.
O Toyotismo
A crise do padrão de acumulação taylorista/fordista, que aflorou em fins de 60 e início de 70 – que em verdade era expressão de uma crise estrutural do capital que se estende até os dias atuais – fez com que, entre tantas outras conseqüências, o capital implementasse um vastíssimo processo de reestruturação, visando a recuperação do seu ciclo produtivo. O capital deflagrou, então, várias transformações no próprio processo produtivo, através da constituição das formas de acumulação flexível, do downsizing, das formas de gestão organizacional, do avanço tecnológico, dos modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo, onde se destaca especialmente o “toyotismo” ou o modelo japonês. Estas transformações são decorrentes da própria concorrência (num momento de crises e disputas intensificadas entre os grandes grupos transnacionais e monopolistas).
Estas transformações, iniciadas nos anos 70 e ainda em curso têm, entretanto, gerado mais dissenso que consenso. Segundo alguns autores, elas seriam responsáveis pela instauração de uma nova forma de organização industrial e de relacionamento entre o capital e o trabalho, mais favorável quando comparada ao taylorismo/fordismo, uma vez que possibilitaram o advento de um trabalhador mais qualificado, participativo, multifuncional, polivalente, dotado de uma “maior realização no espaço do trabalho”. Segundo outros, as mudanças encontradas não caminhariam na direção de uma “japonização ou toyotização da indústria”, mas sim estariam intensificando tendências existentes, que não configurariam, portanto, uma nova forma de organização do trabalho. Ao contrário, no contexto das economias capitalistas avançadas, seria possível perceber uma reconfiguração do “poder no local de trabalho e no próprio mercado de trabalho, muito mais em favor dos empregadores do que dos trabalhadores”.
O sistema industrial japonês, a partir dos anos 70, teve grande impacto no mundo ocidental, quando mostrou-se para os países avançados como uma opção possível para a superação capitalista da crise. Naturalmente, a possibilidade de transferência do toyotismo carecia, para sua implantação no Ocidente, das inevitáveis adaptações às singularidades e particularidades de cada país. Seu desenho organizacional, seu avanço tecnológico, sua capacidade de extração intensificada do trabalho, bem como a combinação de trabalho em equipe, os mecanismos de envolvimento, o controle sindical, eram vistos pelos capitais do Ocidente como uma via possível de superação de sua crise de acumulação.
E foi neste contexto que se presenciou a expansão para o Ocidente, da via japonesa de consolidação do capitalismo industrial. O impacto do modelo japonês “intensificou-se no final dos anos 70, depois de uma década de redução da produtividade do Ocidente, quando a performance exportadora e o extraordinariamente rápido crescimento da indústria japonesa, particularmente no ramo de automóveis e produtos eletrônicos, começaram a gerar grande interesse no Ocidente. Além dos conhecidos elementos da indústria japonesa, tais como círculos de qualidade e emprego vitalício, acrescentavam-se outras características importantes, como a prática de produzir modelos completamente diferentes na mesma linha. Gradualmente, tornou-se claro que o que existia não eram simplesmente algumas poucas ‘peculiaridades culturais’, mas um inovado e altamente integrado sistema de organização da produção”.
O toyotismo é uma forma de organização do trabalho que nasce na Toyota, no Japão do pós-45 e que, muito rapidamente, se propaga para as grandes companhias daquele país. Ele se diferencia do fordismo basicamente nos seguintes traços:
é uma produção muito vinculada à demanda, visando atender às exigências mais individualizadas do mercado consumidor, diferenciando-se da produção em série e de massa do taylorismo/fordismo. Por isso sua produção é variada e bastante heterogênea, ao contrário da homogeneidade fordista;
fundamenta-se no trabalho operário em equipe, com multi variedade de funções, rompendo com o caráter parcelar típico do fordismo;
produção se estrutura num processo produtivo flexível, que possibilita ao operário operar simultaneamente várias máquinas (na Toyota, em média, até cinco máquinas), alterando-se a relação homem/máquina na qual se baseava o taylorismo/fordismo;
tem como princípio o just in time, o melhor aproveitamento possível do tempo de produção;
funciona segundo o sistema de kanban, placas ou senhas de comando para reposição de peças e de estoque. No toyotismo, os estoques são mínimos quando comparados ao fordismo;
as empresas do complexo produtivo toyotista, incluindo as terceirizadas, têm uma estrutura horizontalizada, ao contrário da verticalidade fordista. Enquanto na fábrica fordista aproximadamente 75% da produção era realizada no seu interior, a fábrica toyotista é responsável por somente 25%, tendência que vem se intensificando ainda mais. Esta última prioriza o que é central em sua especialidade no processo produtivo (a chamada”teoria do foco”) e transfere a “terceiros” grande parte do que anteriormente era produzido dentro de seu espaço produtivo. Essa horizontalização estende-se às subcontratadas, às firmas “terceirizadas”, acarretando a expansão dos métodos e procedimentos para toda a rede de fornecedores. Desse modo, flexibilização, terceirização, subcontratação, CCQ, controle de qualidade total, kanban, just in time, kaizen, team work, eliminação do desperdício, “gerência participativa”, entre tantos outros pontos, são levados para um espaço ampliado do processo produtivo;
organiza os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), constituindo grupos de trabalhadores que são instigados pelo capital a discutir seu trabalho e desempenho, com vistas a melhorar a produtividade das empresas, convertendo-se num importante instrumento para o capital apropriar-se da habilidade intelectual e cognitivo do trabalho, que o fordismo desprezava;
o toyotismo implantou o “emprego vitalício” para uma parcela dos trabalhadores das grandes empresas (cerca de 25 a 30% da população trabalhadora, onde se presenciava a exclusão das mulheres), além de ganhos salariais intimamente vinculados ao aumento da produtividade. O”emprego vitalício” garante ao trabalhador japonês, que trabalha nas fábricas inseridas neste modelo, a estabilidade do emprego, sendo que aos 55 anos o trabalhador é deslocado para outro trabalho menos relevante, no complexo de atividades existentes na mesma empresa.
Inspirando-se inicialmente na experiência do ramo têxtil, onde o trabalhador operava simultaneamente várias máquinas e posteriormente na importação das técnicas de gestão dos supermercados dos EUA, que deram origem ao kanban, o toyotismo também ofereceu uma resposta à crise financeira japonesa do pósguerra, aumentando a produção sem aumentar o contingente de trabalhadores.
A partir do momento em que este receituário se amplia para o conjunto das empresas japonesas, seu resultado foi a retomada de um patamar de produção que levou o Japão, num curtíssimo período, a atingir padrões de produtividade e índices de acumulação capitalista altíssimos.
A transferência do toyotismo, ou de parte do seu receituário, mostrou-se, portanto, de enorme interesse para o capital ocidental, em crise desde o início dos anos 70. Claro que sua adaptabilidade, em maior ou menor escala, estava necessariamente condicionada às singularidades e particularidades de cada país, tanto no que diz respeito às condições econômicas, sociais, políticas, ideológicas, bem como à inserção destes países na divisão internacional do trabalho, aos seus respectivos movimentos sindicais, às condições do mercado de trabalho, entre tantos outros pontos presentes quando da incorporação (de elementos) do toyotismo.
Fonte: Lugli.org