22.3.09

T Ú P A C A M A R U

T Ú P A C   A M A R U 
Nativismo e Independência


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Macchu Picchu, local sagrado dos incas

O cacique peruano José Gabriel Condorcanqui, mais conhecido como Túpac Amaru, um descendente dos imperadores incas, liderou a maior rebelião indígena da história das Américas dos tempos coloniais. A sua insurreição contra o domínio espanhol colocou o seu nome entre os que tentaram, ao exemplo bem sucedido dos colonos norte-americanos, libertar as Américas da metrópole européia.

O Maior dos Levantes Indígenas


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Guerreiro inca

A revolta dos índios descendentes dos incas, liderados pelo cacique Túpac Amaru entre 1780-1781, foi a maior insurgência indígena desde a conquista do Peru, ocorrida no século 16. Seguramente tratou-se de uma das maiores insurgências da história da América Latina, somente equiparada em extensão e significado à Revolução Zapatista, ocorrida no México, 130 anos depois, entre 1911-17.

Os habitantes dos Andes haviam por quarenta anos resistido ao invasor espanhol até que o seu último chefe, Túpac Amaru I, foi preso e executado pelo vice-rei do Peru, Francisco de Toledo, em 1571. Desde então os vencidos foram submetidos a uma forma especial de trabalho com a adoção da parte dos espanhóis da encomiendas e da mita, que os reduziu a um regime de servidão ou semi-escravidão. Além disso, tinham que trabalhar sem salários nas obrajes, as pequenas tecelagens. Essa situação, somada às doenças e ao trato brutal que os conquistadores submeteram a comunidade indígena, foi a responsável pelo verdadeiro vazio demográfico que se abateu sobre a região andina por muito tempo. Foi contra essa exploração violenta que o cacique José Gabriel Condorcanqui, dito Túpac Amaru II, revoltou-se quase no final do século XVIII.

O Império Inca


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Um casal da nobreza indígena

O Peru, geograficamente, divide-se em três regiões distintas:

  • no oeste, à beira do Pacífico, encontramos uma costa árida, mas piscosa; 
  • no centro erguem-se os Andes, a colossal cadeia de montanhas de quase quatro mil metros de altura e; 
  • ao leste, fronteira com o Brasil de hoje, encontra-se a floresta amazônica. No período pré-hispânico identificara-se a existência de três culturas: a Chavin (circa de 1.000 a.C.), seguida da Civilização Huari (depois de 600 d.C.) e, finalmente a do Império Inca, destruído sistematicamente pelos invasores espanhóis a partir de 1532.


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    Mapa do império inca (1463-1532)

    O império (chamado pelos incas deTahuantinsuyo) possuía enormes dimensões, indo da fronteira do atual Equador até o Sul, até onde hoje é o Chile e a Argentina (tão extenso como de Nova Iorque ao Panamá) Estima-se que sua população oscilava de 3,5 milhões até 12 milhões de pessoas. As duas línguas mais faladas eram o quíchua (quéchua), na parte centro-norte, e o aimará (aymara), mais ao sul, além de existirem espalhados pelo território todo mais de 100 outros grupos étnicos, gozando de autonomia. Tal colosso era governado pelo inca da sua capital em Cuzco, auxiliado pelo Conselho Inca e pelos curacas(funcionários ou caciques).

  • A Conquista do Peru


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    Francisco Pizarro

    A lenda peruana diz que o primeiro inca teria sido o lendário Manco Cápac (que significa grande ou poderoso). O apogeu do império, segundo o historiador mestiço Garsilaso de la Vega, el Inca (Comentarios reales, 1604), teria ocorrido entre 1435 - 1471, no reinado de Pachacútec. Sabedor da existência de um poderoso e rico império mais ao sul do Panamá, o aventureiro espanhol Francisco Pizarro, um soldado rude e analfabeto, e seu companheiro Diogo de Almagro, navegaram pelo Oceano Pacífico em direção ao sul. Almagro foi para Quito e depois para ao Chile. Pizarro, com seus irmãos Hernando, Gonzalo e Juan, desembarcou em São Miguel, ao norte do Peru, em 1532. Dali, com 180 homens e 27 cavalos, imitando a coragem de Cortez no México dos astecas, marchou para o interior onde contatou com Atahualpa, o príncipe inca. A pretexto de um encontro diplomático, conseguiu atraí-lo para a praça da cidade de Cajamarca.

    Um Crime Inominável

    Após a chegada de Atahualpa, acompanhado da sua enorme comitiva real, foi-lhe apresentada uma bíblia para que se convertesse ao cristianismo e aceitasse ser vassalo do rei da Espanha. Atahulapa, evidente, rejeitou. Pizarro então deu o sinal para que seus soldados atacassem a comitiva real. Naquele dia terrível, o 16 de novembro de 1532, tinha início a liquidação de uma das mais antigas culturas da América pré-colombiana, além de ser um dos atos mais criminosos da história do continente. Atacados pela cavalaria de espada desembainhada e pelos besteiros e arcabuzeiros que se espalhavam pelos altos da praça, praticamente todos os índios foram mortos. O chefe inca, sobrevivente, foi confinado como prisioneiro. Pizarro mandou um mensageiros exigindo dos nativos muito ouro para deixar a sua presa livre.


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    Ataque à liteira-trono de Atahualpa (Cajamarca)

    A Briga dos Irmãos Incas

    Credita-se a facilidade da conquista do Peru feita pelos espanhóis ao fato dos incas encontrarem-se divididos. Não só Atahualpa (príncipe de Quito) estava em litígio aberto contra o seu irmão Huáscar (príncipe de Cuzco), como havia muita discórdia entre outros povos submetidos a eles. Com a invasão estrangeira as demais nações e tribos indígenas aproveitaram-se para aliar-se aos espanhóis contra os seus antigos senhores, facilitando-lhes a ocupação da maior parte do território peruano. Em 1533, Francisco Pizarro (nomeado por Carlos V, capitão-geral da Nova Castela e adelantado), cumprida uma marcha forçada pelos Andes, entrou em Qosqo, (Cuzco em espanhol), a capital inca (cidade fundada no ano de 1100, lugar sagrado do templo do Sol, sede do poder e centro de peregrinação religiosa).


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    Pizarro na marcha pela conquista do Peru

    Extorsão e Execução


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    O ouro inca enlouqueceu o invasor

    Antes disso, Pizarro, que extorquira dos indígenas quatro milhões e meio de ducados de ouro em troca da libertação de Atahualpa, ordenou a execução na fogueira do chefe inca. Mais tarde, visto a hediondez do seu ato, Pizarro atribuiu aquele assassinato ao padre Valverde, o que pouco lhe serviu. Desde então o nome dele associou-se à perfídia, um homem a quem ninguém mais poderia confiar na palavra dada. Seja o que for nada o impediu de continuar pilhando toda a imensa riqueza em ouro e prata que encontrou pela frente. No gesto de capturar e mandar incinerar a Atahualpa, Pizarro se inspirara no que outro notório capitão da conquista fizera no México. Cortez, como se sabe, também executou o chefe asteca Montezuma, porque os capitães espanhóis logo perceberam que naquela estrutura de poder absurdamente verticalista, bastava decepar a cabeça para que os membros do corpo imediatamente se paralisassem.

    Fundação de Lima


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    O portão de Lima

    Para ficar mais próximo do Panamá, o ponto de apoio mais próximo que os invasores do Peru possuíam na costa do Pacífico, Pizarro, acompanhado por 18 dos seus companheiros de armas, fundou a cidade de Lima, na beira daquele grande oceano, no dia 18 de janeiro de 1535. Dando continuidade a um governo inca fantoche, indicou Manco Cápac II como sucessor de Atahualpa. Mas esse soberano, ainda bem jovem, não tardou em revoltar-se. Os seus descendentes continuaram a luta contra o invasor até que Túpac Amaru I foi supliciado em 1571, cessando então a resistência mais tenaz.


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    Súditos incas trazendo ouro para Pizarro

    A Desavença na Partilha

    Os espanhóis, perante aquele enorme fortuna, logo se desavieram. Como é comum ocorrer entre os chefes de bandos, o valor extraordinário do saque e a cobiça que imediatamente gerou, provocou uma generalizada desconfiança entre os conquistadores. Não tardaram em alçar as espadas na hora da partilha. Diego de Almagro, retornando do Chile em 1538, desentendeu-se com Pizarro, sendo julgado e executado depois de ter sido derrotado na batalha de Las Salinas, perto de Cuzco. Num ato de vingança, o comandante dos conquistadores também terminou assassinado em 1541. Um seu irmão, 


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    Cuzco, capital dos incas

    Gonzalo Pizarro, el Mozo - o desbravador do Amazonas (1540-2), ainda tentou, mordido pela ambição, manter a total autonomia perante a Espanha, sonhando em vir a ser rei do Peru. Foi derrotado e executado pelo recém-chegado vice-rei Lara Gasca, em 1548.

    A Administração do Império Colonial Espanhol

    Os principais responsáveis pela formação do impressionante império espanhol foram três monarcas: o rei Fernando I, morto em 1514; o Imperador Carlos V, que renunciou em 1556; e seu filho Felipe II, o rei-burocrata, que governou do seu Palácio el Escorial, nas proximidades de Madri (aprontado com o ouro do Peru e do México em 1567).


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    Carlos V, construtor do império

    A mais alta autoridade era o rei da Espanha, logo a seguir vinha o Conselho das Índias (Consejo de Índias) criado em 1524, a quem a Casa de Contratación(fundada em 1503, em Sevilha, encarregada dos assuntos comerciais com as colônias americanas), estava subordinada. Para administrar diretamente as terras conquistadas na América, formaram-se, em 1535, originalmente dois vice-reinos (o da Nova Espanha, o atual México, e o do Peru). Mais tarde eles foram desmembrados. Os vice-reis, com funções de governadores, eram nomeados diretamente pelo rei e dividiam sua autoridade com as audiências (encarregadas de administrar a justiça). Cada vice-reino, por sua vez, estava dividido em intendências que, em nível municipal, eram repartidas em corregedorias ou alcaidias maiores.

    A Submissão dos Indígenas

    Desde o início da conquista, pode-se até dizer que desde a volta de Colombo da primeira viagem, os espanhóis se desentenderam em relação ao estatuto a ser dado aos nativos do Novo Mundo. De um lado colocaram-se os "indigenistas", tal como o padre Bartolomeu de Las Casas (o Apóstolo dos índios), defendendo o princípio de que os nativos encontrados nas novas terras deveriam ser mantidos à distância dos brancos. Para Las Casas os índios eram as mais puras criaturas humanas criadas por Deus. Eles deviam ser evangelizados, tornando-se bons cristãos através de um trabalho de catequese lento que respeitasse e levasse em conta os seus costumes, e, principalmente, a liberdade em que tinham nascido. O seu testemunho ele deixou registrado na obra Brevísima relación de la destrucción de las Indias, de 1542:

    Todas estas universais e infinitas gentes a toto género crió Dios las más simples, sin maldades ni dobleces, obedientísimas, fidelísimas a sus señores naturales y a los cristianos a quien sirven; más humildes, más pacientes, más pacíficas y quietas, sin rencillas ni bollicios, no rijosos, no querulosos, sin rancores, sin odios, sin desear venganzas, que hay en el mundo.

    ("Dentre todas essas universais e infinitas gentes de todos os tipos, Deus criou as mais simples, sem maldades nem duplicidades, obedientíssimos, fidelíssimos aos seus senhores naturais e aos cristãos a quem servem; mais humildes, mais pacientes, mais pacíficos e quietos, sem rancores nem alvorotos, não sensuais, não queixosos, sem rancores, sem ódios, sem desejar vinganças, que há no mundo.")

    Do outro, oposto a eles, encontravam-se os "colonialistas" que consideravam os povos do Novo Mundo uma raça derrotada. Nada eram senão selvagens primitivos que deveriam ser civilizados, à força se preciso. Eram os descendentes do bíblico Cam, o filho de Noé condenado à escravidão, portanto deviam ser entregues aos colonos como servos ou como parte das encomiendas e condenados à mita.


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    Crueldades contra os vencidos

    O imperador aparta a briga


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    Las Casas, apóstolo dos índios

    O imperador Carlos V, rei da Espanha, foi obrigado a intervir. Afirmou, através das Leis de Burgos, redigidas pelo célebre jurisconsulto castelhano Palacios Rubio, que somente no caso de "guerras justas" os nativos poderiam ser reduzidos à servidão. Padres e colonos eram responsáveis pelos ensinamentos cristãos. Na prática, as medidas conciliatórias e a legislação protetoras dos índios, elaboradas lá longe, na metrópole, tiveram pouco efeito prático. A tensão entre a ética cristã e a cobiça dos colonos sempre fez com que a última terminasse por prevalecer. É o que se entende com a adoção das Leis Novas de 1542, que permitiam a escravização dos caribes, dos araucanos e dos mindanaos, tribos que sempre estavam em armas contra o domínio espanhol.

    A Encomienda


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    Incas no trabalho

    A primeira lei da encomienda foi ordenada pela rainha Isabel, em 1503, que afirmava o ajuste legal de obrigação para o trabalho indígena, desde que "livres e não sujeitos à escravidão". Em geral os funcionários da Coroa na América recorriam ao repartimiento, que lhes dava direito a dispor da força de trabalho de um grupo de índios (ao redor de 200) como uma maneira de suplementar seus salários. Como ocorreram evidentes abusos, que se somaram à campanha do padre Las Casas em favor dos nativos, optou-se por uma solução intermediária. A partir de 1536, ao invés de ceder sua força de trabalho, as comunidades indígenas passaram a ser obrigadas a dar um tributo (em forma de artesanato, víveres ou metal precioso) ao encomiendero. Quem se encarregava de arrecadá-la era o cacique (que no Peru chamava-securaca).

    A Mita


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    Um dos deuses dos incas

    Além disso, estavam constrangidos à mita, oriunda dos tempos pré-colombianos. Era o labor compulsório que os índios eventualmente deviam realizar em certas circunstâncias, similar à corvéia, o trabalho gratuito que o servo medieval devia prestar ao seu senhor. Outros a entendem como um espécie de serviço militar obrigatório. Em geral os nativos eram mobilizados para abrir uma estrada, consertar as ruas ou erguer um prédio público, sem que recebessem qualquer remuneração para tal. Mas os espanhóis transformaram a mita numa servidão. Especialmente depois da descoberta das minas do Potosí, em 1545, coube aos caciques convocarem nas aldeias os índios que lá eram obrigados a minerar por um ano. Sendo que as despesa da viagem e da manutenção ficavam por conta do dono. Obrigação que nem sempre era praticada, dando margem a atos de desconformidade e rebeldia. Em 1574 o vice-rei do Peru, Francisco de Toledo, fixou as 16 províncias mitayas que deveriam contribuir com mão-de-obra para trabalharem a quase quatro mil metros de altitude, oficializando assim a prática do trabalho servil.

    O Vazio Demográfico

    Seguramente as encomiendasobrajes e mitas, somadas às doenças e a brutalidade com que os nativos eram tratados, foram as principais responsáveis pelo verdadeiro vazio demográfico que se abateu sobre as Américas nos anos que se seguiram à conquista. Milhões de índios pereceram no México e no Peru. Os dados indicam que a força de trabalho das 16 províncias mitayas dos Andes reduziu-se a ¼ do que era em apenas 50 anos (em 1633 eram 40.115 indígenas, em 1662 diminuíram para 16 mil e, finalmente, em 1683 eram apenas 10.633). Foi isso que levou dom Melchor de Leñán, arcebispo de Lima, a dizer que "tinha certo que aqueles minerais estavam tão banhados de sangue dos índios que se espremesse o dinheiro que deles se tirava, haveria de brotar mais sangue do que prata."


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    O cemitério de Potosí

    Abolição da Mita

    Em 1719, Felipe V assinou um decreto abolindo a mita no Potosí, mas terminou não sendo aplicado. Somente em 1812, quando ela já estava em desuso, foi suprimida pelas Cortes de Cádiz.


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    Festival do Fogo Novo, em Huakaypata

    Além dos mitayos existiam também os índios yanaconas (que no México chamavam-se naborias) que eram aqueles que prestavam serviços domésticos a um senhor e também serviam-lhes como peões, como se fossem servos da gleba. Muitos se apresentavam voluntariamente para serem servos para escapar da mita.

    Os Primeiros Anos de Túpac Amaru


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    Sapan Inka Apu Tayta, o chefe inca

    José Gabriel Condorcanqui, dito Túpac Amaru II, nasceu em Surimana, em 19 de março de 1738. Não era um cacique como os demais, pois havia estudado no Colégio São Francisco de Borja, a escola dos filhos de cacique em Cuzco e chegou até a ser aluno-ouvinte na Universidade de São Marcos em Lima. Esteve na capital entre 1776-7 solicitando junto à Audiência Real que lhe fosse concedido pelas autoridades espanholas um marquesado. Os nobres incas tinham certas prerrogativas que José Gabriel, herdeiro do curacazco (cacicado) de Surimana, Tungasuca e Pampamarca, esperava que a reconhecessem. Os burocratas, porém, negaram-lhe. Consta que nesta estada em Lima ele teria entrado em contato com alguns poucos intelectuais iluministas, que, segundo sua mulher, dona Micaela, "abriram os olhos do seu marido", como igualmente se inteirou da rebelião que aquele momentos sacudia as 13 colônias inglesas na América do Norte, insurgidas contra a Grã-Bretanha desde 1776.

    Os Reclamos de Túpac Amaru


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    Ruínas de um fortim inca (Intihuatani)

    Para proteger a vida dos seus índios da província de Tinta, seus protegidos, José Gabriel solicitou junto a essa mesma audiência, em 23 de julho de 1777, que eles fossem liberados da mita. Nem os custos da viagem que os miteiros eram obrigados a fazer a Potosí para ir lá cumprir com o trabalho compulsório estavam sendo pagos. A razão do apelo era muito simples: os nativos estavam sendo dizimados. O visitador (autoridade que representa o rei) Areche reconheceu a justiça da reivindicação e censurou a ganância dos donos das minas, mas julgou que o assunto não cabia ser tratado pelo cacique e sim pelo governador da sua província e outras autoridades do vice-reino. Portanto, em troca de uma reparação que todos consideravam procedente, ele recebeu uma desculpa burocrática para deixar as coisas assim como estavam. Túpac Amaru, em fúria contida, voltou à Cuzco e, no caminho, entrevistou-se com vários caciques planejando a rebelião.


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    Edifício inca de adobe

    Outro tormento dos índios era os chamados repartos, monopólio comercial que os corregedores tinham direito. Segundo o costume, esse funcionário vendia à comunidade mercadorias variadas e imprestáveis em troca do seus produtos pelos quais pagava preços aviltantes. O que levou Túpac Amaru a escrever ao visitador Areche "este maldito e viciado reparto nos colocou nesse estado de maneira tão deplorável devido seu excesso".

    A Sociedade Peruana no Século XVIII


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    Rotas dos incas nos Andes

    Estima-se que ao redor de 1780 a população do país era composta por 1.800.000 de pessoas: 60% era de índios, 20% de mestiços, 5% de escravos africanos e somente 12% de brancos (crioulos ou espanhóis). A classe dominante evidentemente era formada pelos espanhóis, apelidados de chapetones, e pelos crioulos, que eram os principais funcionários, fazendeiros, comerciantes e proprietários das minas.

    A república dos índios, isto é, o complexo de aldeias e vilas onde vivia a comunidade indígena, era regida por um cacique. Os índios, além do pequeno grupo de nobres, descendentes dos 11 ayllus imperiais, dividiam-se em mitayos (obrigados à mita), em yanaconas (servos domésticos), e nos jornaleros, uma massa dispersa e desamparada, que prestava serviços como peão ou mitayo.

    O vice-reino do Peru era administrado de Lima, sede do poder e da Audiência Real, enquanto que as localidades o eram por meio dosayuntamientos (Câmara de Vereadores) submetidos a um alcaide-mor ou a um corregedor.

    Outras Revoltas Nativas


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    Vestígio da antiga grandeza

    A região andina, ainda no século XVIII, conhecera outras revoltas, tais como dos caciques de Lima (1750) e de Trujillo (1758), a de Sica-sica (1774), a de José Gran Kispe Tito Inga (1777), a de Tomás Catari e seus irmãos (1778), além da conjuração dos prateros, em Cuzco, (similar à Inconfidência Mineira no Brasil Colônia), dirigida por Lorenzo Fartán de los Godos, devido aos excessos de impostos e abusos cometidos pelos corregedores (1780). Entretanto, a liderada por Túpac Amaru (1780-83) foi a mais espetacular de e mais retumbante de todas elas.

    As Razões da Revolta


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    Pirâmide inca

    Um complexo de causas fez com que José Gabriel resolvesse pegar em armas. Além da cobiça da metrópole por mais tributos, somou-se a negativa da Audiência de Lima em isentar os índios da província de Tinta, onde Túpac Amaru era o cacique, das obrigações da mita. Havia também uma permanente tensão entre espanhóis e crioulos, e entre as autoridades civis e eclesiásticas, que ajudavam a envenenar o clima do vice-reino. Cresceu o ódio dos nativos contra a prática dos repartos mercantis, que os reduziam a dependentes perpétuos do corregedor, culminou num levante generalizado. A rebelião inicialmente tomou o cunho fidelista. Não dirigia-se contra o rei, mas sim contra seus funcionários que burlavam as leis. O objetivo era "cortar o mau governo de tanto ladrão!"

    O vice-reino pega fogo

    A partir de este día, los españoles no banquetearán en su pobreza!
    Túpac Amaru


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    Túpac Amaru II (1738-1781)

    No dia quatro de novembro de 1780, logo em seguida ao almoço no qual se celebrava o dia do aniversário do rei da Espanha, Túpac Amaru prendeu o corregedor Arriaga. Seis dias depois, enforcou-o com grande alarde na praça central de Tungasuca, a sua cidadela. A notícia da execução do corregedor por um cacique inca provocou uma onda de rebeldia que se estendeu até Jujui, no vice-reinado de Buenos Aires. José Gabriel derrotou um exército de corregedores em Sangara (quase 600 soldados foram queimados numa igreja local), mas perdeu tempo precioso ao desviar-se para o Sul do Peru, não rumando logo para a capital, para aproveitar-se do efeito surpresa. Para ampliar sua base revolucionária anunciou, em 16 de novembro de 1780, o Bando pela Libertação dos Escravos, talvez o primeiro documento do gênero na história latino-americana. Ao seu exército de índios incorporaram-se os negros e os zambos (mestiços de negros e índios) e até alguns brancos descontentes, formando um bloco indígena-crioulo.

    A Restauração do Tahuantinsuyo


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    Máscara de ouro inca

    Conforme a rebelião assumiu um cunho revolucionário, Túpac Amaru abandonou o fidelismo e proclamou-se separatista. Não tinha mais por quê manter-se como um súdito indignado com os funcionários do rei. Chegou a proclamar-se José I, apresentando aos seus o rei espanhol como um usurpador. Tratou então de restaurar o antigo Reino das Quatro Partes (Tahuantinsuyo), o Império Inca, do qual ele considerava-se legítimo herdeiro. Para o índio comum (llacta runa) era acenado o retorno ao ayllu, ao antigo clã comunal, do qual havia sido separado desde a invasão espanhola. Para muitos que aderiram ao levante seria o fim do trabalho esgotante nas minas.

    Derrota e Martírio


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    Dona Micaela, mulher de Túpac Amaru

    Durante oito dias, de dois a dez de janeiro de 1781, as forças de Túpac Amaru tentaram tomar Cuzco, a antiga capital sagrada do Inca, posta a sítio, mas fracassaram. O cacique rebelado então recuou. As cinco colunas militares do visitador Areche e do marechal José del Valle partem então de Cuzco atrás de Túpac Amaru. Depois de uma batalha de 70 horas, onde é derrotado, o cacique se refugia no povoado de Langui, terminando por ser capturado à traição pelo mestiço Francisco Santa Cruz e entregue às autoridades. No dia 18 de abril de 1781 terminou seus dias supliciado em Cuzco.


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    Igreja de Azancaro, onde foi executado Vilca Apaza, general de Túpac Amaru

    A execução de Túpac Amaru II foi um ato bárbaro do despotismo ibérico. Primeiro amarraram-lhe as extremidades em quatro cavalos. Ao estendê-lo o seu corpo retesou-se no ar mas não se estraçalhou.. O visitador Areche ordenou então que o decapitassem e o esquartejassem, sendo que os pedaços foram enviados para os quatro cantos do vice-reino como uma advertência. Não satisfeitos com isso (apesar de Túpac Amaru ter assumido sozinho a responsabilidade da revolta), mataram pelo garrote sua mulher, dona Micaela, e enforcaram seu filho mais velho e outros parentes, na praça Huacaipata, a mais importante de Cuzco. A luta dos incas rebelados ainda prosseguiu por mais dois anos até que o último integrante da família aceitou uma trégua, sendo também morto à traição. O impacto da revolta fez com que as autoridades iniciassem uma série de reformas, entre elas a abolição do direito ao reparto da parte dos corregedores, cujo cargo finalmente foi suprimido.

    Conclusões

    A revolta de Túpac Amaru, além de ser a maior insurreição indígena que ocorreu na América Latina, foi o mais significativo movimento nativista pela independência do Peru, precursor das lutas pela independência que, mais tarde, entre 1810 - 1825, serão lideradas pelos crioulos e que irão formar as 20 repúblicas da América hispânica. Quanto ao Peru especificamente, a revolta indígena paralisou os crioulos na época das lutas pela independência. A minoria branca, descendente de espanhóis, que governava o país desde Lima, temia que, ao tentar pegar em armas contra a metrópole espanhola, os nativos voltassem a se revoltar como no tempo de Túpac Amaru, trinta anos antes, fazendo com que a independência nacional peruana fosse resultado de tropas vindas de fora, da Venezuela e da Argentina.

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    Encenação da morte de Túpac Amaru




    O nome de Túpac Amaru, por sua vez, entrou para o panteão dos que lutaram pela descolonização e independência das Américas, servindo no século XX como bandeira de vários movimentos revolucionários que surgirão na América Latina a partir dos anos de 1960, tais como os tupamaros, no Uruguai, e o MRTA (Movimiento revolucionario Túpac Amaru), do Peru, ambos desmantelados.



    Fonte: