31.8.09

Estados Unidos: guerra, pão e circo

Ainda que a condução da política econômica norte-americana, de cunho neoliberal, tenha sido responsabilizada pelas culpas do desastre econômico que se abateu sobre os Estados Unidos, irradiando-se em seguida pelo mundo, é bom lembrar que a razão dele é a manutenção de uma custosa guerra travada do outro lado do planeta a um custo astronômico que se somou a mais absoluta irresponsabilidade em conter os gastos com o consumo interno.

Medidas de contenção

Combate no Iraque
‘Não em vão dizia Frederico II da Prússia que se deve fazer a guerra de tal modo que a população civil não se de conta dela. A divisa das guerras do absolutismo era: ‘ a calma é o primeiro dever dos súditos’.
(G.Lukács – O romance histórico, 1954)


Quando o Brasil declarou guerra às potências fascistas em agosto de 1942 , as primeiras providências do governo de Getúlio Vargas não foram no sentido da convocação das tropas mas sim de impor severas medidas de contenção de gastos. Durante os três anos seguintes o fornecimento de energia foi condicionado por cortes de luz a partir de determinadas horas, o mesmo se dando com o combustível ao lado de um rigoroso sistema de racionamento geral. Não que o Brasil temesse uma invasão nazi-fascista mas simplesmente porque tais medidas são comuns a qualquer nação que esteja em guerra. Poupa-se para gastar com as tropas, é o jejum do civil quem mantém o soldado.


Exatamente o oposto tem sido a política dos Estrados Unidos. Os governos americanos, tanto o dos democratas durante a Guerra do Vietnã, como o dos republicanos no Afeganistão e no Iraque, tocaram os conflitos sem exigir sacrifícios dos cidadãos. Ao contrário, estimularam ainda mais o consumo e o gasto conspícuo. O resultado disto, primeiro, foi a grande inflação da década de 1970, e, em segundo, a atual quebra do sistema financeiro que se alastra pelo mundo. E isto, essencialmente, tem mais a ver com a prática imperial e pouco a ver com o capitalismo.

Pão e Circo

Na Roma antiga, os generais vindos das campanhas de espoliação dos povos subjugados, desfilavam pela cidade jogando moedas para a plebe. Em seguida, promoviam um magnífico espetáculo circense para agradá-la ainda mais. Dividindo os ganhos com a multidão no Coliseu, eles corrompiam a população tornando-a cúmplice da rapinagem. Era esta a razão de até a conversão ao cristianismo, jamais haver em Roma quem fizesse restrições morais às conquistas de um César, de um Tibério ou de um Trajano.


Ora, as moedas que o governo americano jogou ao seu povo em troca do apoio foram exatamente as de ordem hipotecária. Para manter-lhe a fidelidade à invasão do Afeganistão e do Iraque, que já dava os primeiros sinais do desastre, o Congresso norte-americano aprovou em 2004, no terceiro ano da guerra, com a designação de ‘empréstimos sociais’, a lei que permitiu aos agentes imobiliários - Fannie Mae e Freddie Mac - repassar recursos para aqueles que não tinham as garantias suficientes. Ao mesmo tempo, o FED (Federal Reserve), entre 2002 e 2004, desta feita com Bagdá em chamas, manteve as taxas de juros abaixo da inflação durante 31 meses, para dopar o povo com dinheiro fácil (o endividamento das famílias que andava ao redor de 60% da renda, saltou para 130%).


E, evidentemente, seguindo o conselho de Frederico II, não tomou nenhuma medida restritiva ao consumo em larga escala para que ninguém criasse obstáculos à operação colonialista contra dois paises muçulmanos, pois ‘a calma é o primeiro dever do súdito’.

Um gasto astronômico

O resultado disto – liberação do consumo interno mais as fantásticas despesas com a guerra no exterior por cinco anos seguidos - é que os custos previstos para a aventura, segundo o Mitch Daniels o chefe do orçamento nacional, estimados inicialmente entre U$ 100 e 200 bilhões, provavelmente alcançarão a U$ 1 trilhão em 2010. Algo assim como U$ 300 milhões/dia, gerando um déficit anual de U$ 455 bilhões. O prêmio Nobel Joseph Stiglitz e Linda Blames ( in The Trillion Dollar War: the true cost of the Iraq conflict, 2008) , por sua vez, mais pessimistas, jogam as despesas para possíveis U$ 4,5 trilhões!


Contribui mais do que tudo para o desabamento das coisas o fato da ocupação ir de mal a pior, de não haver uma perspectiva de uma paz produtiva que esteja ao alcance dos olhos. Isto tudo gerou a desconfiança universal com os papéis norte-americanos. Permitiram que os sem-renda participassem de um banquete sem terem dinheiro para cobrir sequer a sobremesa, ao tempo em que deixaram livre o pasto para os ganhos extraordinários dos lobos de Wall Street.

Fonte:História por Voltaire Schilling