23.10.09

Império e Imperialismo

por: Ricardo Pereira Cabral - UGF


RESUME
This paper aims to discuss the theories on the origins of empire and imperialism. The end of the Cold War and the accelerating process of globalization led to the construction of new structures of domination from the polarized development of networks of dependence and subordination of global reach, which in the text knew as post-modern empire. Such structures, as in the past, competing for resources (increasingly scarce), prestige, power etc., but at this conjuncture also work to maintain the status quo.

KEY WORDS: Empire, Imperialism, Empire Post-Modern


Introdução
Este ensaio tem como objetivo apresentar alguns conceitos e definições acerca de Império e de Imperialismo no período contemporâneo. No aprofundamento das considerações acerca dos impérios e das práticas imperialistas, verificamos a constituição de novas configurações e de suas transformações, designadas por Hard e Negri como um Império Pós-moderno e da nova ordem internacional advinda do processo de globalização.


Conceitos, Definições e Considerações acerca de Impérios e Imperialismo
Existem várias definições para império. Elas podem variar de uma forma de governo monárquico que tenha por líder um imperador, de Estados de relativa importância e dimensão geográfica, qualquer que seja a forma de governo, que tenha adotado essa designação, de um Estado, nação ou povo que exerça sua autoridade sobre povos ou outros Estados conquistados ou vassalos, e, por fim, pode designar também a autoridade soberana de uma determinada sociedade.
A origem dos impérios deve ser procurada geralmente na conquista, a sua manutenção no exercício de um poder dominador e a sua justificativa na capacidade real ou alegada do conquistador de manter subjugados Estados, nações ou povos.
A maioria das formações imperiais inspirou-se, de certa forma, no modelo do Império Romano e em Bizâncio, que acrescentou e “reforçou o caráter de dignidade do cargo de imperador, dotando-o de formas mais complexas”. O nascimento dos impérios está ligado por vezes às transformações (sociais, políticas e econômicas) internas de determinados regimes, que se reconfiguram no sentido de buscar formas de superar, normalmente por intermédio da expansão externa, as dificuldades internas por intermédio do estabelecimento de determinados objetivos que criem uma coesão anímica em torno de determinados valores, de crenças, de uma pretensa superioridade etc. Na verdade, trata-se de harmonizar interesses conflitantes e direcionar o consenso popular que se encontra difuso, e que não se expressa mais pelas instituições políticas representativas da sociedade ou pelos grupos sociais dominantes, para projetos de expansão territorial e de associá-los a idéias e concepções de progresso e de desenvolvimento interno. Esta estratégia de “salto para frente” atende a vários objetivos: superar ou exportar as crises e contradições internas, unificar a sociedade em torno de determinados objetivos e ampliar e aprofundar o próprio poder, incrementado pelo sucesso e pelo prestígio advindo de forma crescente das ações.
Durante sua existência, os impérios procuram se estabelecer como um pólo difusor dinâmico de sua cultura e organização política para a humanidade como um todo ou para aquela parte que possua uma mesma herança cultural, étnica ou afinidade político-civilizacional. A partir desta perspectiva, os impérios são portadores de uma concepção de perenidade (conceito de necessidade e de continuidade), indispensável para a salvação do universo a ele vinculado, buscando, em algumas conjunturas históricas, formas de legitimação baseadas em concepção religiosas.
Raymond Aron (1905-1983) definiu império como um poder supremo, incondicional de poder ou entidade histórica dentro da qual se exerce esse poder ou é exercido por ela própria no exterior submetendo uma pluralidade de povos.
Já o Imperialismo pode ser definido como a ação de um Estado, nação ou povo de impor o seu domínio ou controle direto ou indireto sobre outro Estado, nação ou povo. O imperialismo se caracteriza por uma ação de poder, contrária à vontade do Estado, nação ou povo sobre o qual tal atuação incide. É em geral considerado como moralmente reprovável e o termo se aplica com sentido crítico à política expansionista de determinados Estados.
Outra definição de imperialismo seria a política que tem por fim a formação ou a manutenção de impérios, representando muitas vezes quanto a aspectos políticos uma tentativa de unir diferentes nacionalidades ou grupos étnicos sob a direção de um governo que, pela extensão de seu território e pela riqueza, consiga formar um grande poder. Ideologicamente significa uma tentativa de justificar a expansão imperial.
O Imperialismo está ligado ao desenvolvimento do capitalismo em sua fase monopolista e à segunda fase da revolução industrial. Trata-se da articulação de uma rede de territórios, normalmente dispersos geograficamente, que podem ser coloniais, protetorados ou zonas de influência, ou seja, sem uma conquista formal, e geridos por um centro dinâmico (a sede imperial), que organiza as estruturas administrativas e a exploração econômica em benefício próprio. Outro fator a ser considerado é que devido a interesses estratégicos não se devem descartar a dimensão ideológica e a ocupação física de determinadas partes do território para a instalação de bases militares. Assim, o século XIX assistiu a uma verdadeira corrida entre alguns dos principais estados europeus e, posteriormente, dos Estados Unidos e do Japão, pela conquista de novos mercados e colônias que possibilitassem a exportação da produção industrial metropolitana, o fornecimento de matérias-primas para as indústrias ou de gêneros alimentícios, regiões estratégicas, locais seguros para inversões de capitais e para o excedente populacional metropolitano. O imperialismo teve caráter claramente discriminatório e racista, ao definir povos e culturas como inferiores, incapazes de governarem a si próprios e carentes de tutela civilizatória. Tal postura, como não poderia deixar de ser, fez despertar grandes resistências, nacionalismos fervorosos e episódios de violência.
Hans Morghentau (1904-1980) definiu imperialismo como a política que tem por objetivo a destruição do status quo, a inversão das relações de poder entre dois ou mais Estados e o processo dinâmico de sua formação. Qualquer outra política destinada à manutenção, defesa e consolidação de um império já existente ou de ajuste de interesses conflitantes escapa à denominação, desde que deixe inalterada a relação de força entre os membros de uma determinada comunidade internacional.
Para Joseph Schumpeter (1883-1950), o imperialismo resulta de um complexo de causas em que atuam, em diferentes graus, as pressões econômicas, a agressividade humana, a busca de segurança, a ambição de poder e prestígio, emoções nacionalistas, o humanitarismo e diferentes outros fatores.
A ciência política explica o imperialismo pela própria natureza do Estado moderno: a luta dos grandes Estados pela hegemonia seria a força motriz da história universal.
Hegel (1770-1831), afirma que a dialética interna das sociedades burguesas, produzem uma super-acumulação de riqueza, por um lado e uma multidão de pobres, por outro. Tal fato levava a busca de compensações por intermédio do comércio externo, das práticas colonialistas e imperialistas. Neste aspecto, Hegel rejeitava a existência de fórmulas que visassem solucionar os problemas da desigualdade social e da instabilidade política interna pela redistribuição de renda.
No caso especifico do imperialismo, este se manifestava pela tendência expansionista das grandes nações e atribui a cada uma das nações determinado papel na evolução histórica da humanidade: imperialismo religioso da Espanha do século XVI, o imperialismo racista da Alemanha do século XX, o pan-eslavismo russo, as doutrinas da superioridade anglo-saxônica etc.
Em termos históricos, o imperialismo é observável desde a Antigüidade, na Ásia com os chineses, no Oriente Médio dos babilônicos aos persas, no Mediterrâneo com os gregos e romanos, e na América pré-colombiana podemos citar os astecas. Durante a Idade Média na Europa, aspirava-se à idéia de unidade a partir da reconstituição do Império Romano, fosse por intermédio do papa ou de reis guerreiros como Constantino ou Carlos Magno.
Entre os séculos XVI e XVIII, a competição entre as nações européias – principalmente Portugal, Espanha, Holanda, França e Grã-Bretanha – levou a formações imperiais onde o caráter colonial foi mais acentuado e grandes territórios nas Américas, na África e na Ásia foram conquistados.
No século XIX o dinamismo econômico provocado pela revolução industrial, pela expansão financeira e a necessidade crescente de matérias-primas e mercados deu ao Imperialismo do século XIX um novo caráter. Ele agora buscava legitimidade na superioridade racial, na difusão do cristianismo, na difusão da civilização contra a barbárie e nas teorias de poder que sustentavam que a riqueza e a segurança da nação estariam garantidas com a posse de colônias e de territórios estratégicos.
A Revolução Industrial e o advento do capitalismo monopolista, que tornaram a Grã-Bretanha um modelo de império, levaram outros países a empreendimentos imperialistas como Bélgica, Alemanha, Itália, Estados Unidos e Japão, que vieram se juntar às antigas potências coloniais – Portugal, Espanha e Holanda - e deram um novo impulso conquistador à França e à Rússia.
O imperialismo exercido pelas nações mais desenvolvidas resolveu grande parte dos problemas relativos a locais seguros para a exportação do excedente de capitais, ao aumento de mercados consumidores, ao fornecimento de matérias-primas e quanto a regiões aptas a receber o excedente populacional. Tudo isto levou à redução dos graves problemas sociais internos, além de permitir exportar as tensões e direcionar o sentimento nacionalista a empreendimentos de conquista a fim de unir a nação em torno do objetivo de engrandecer a pátria, mas também gerou um estado de tensão permanente entre as principais potências, devido à partilha desigual dos territórios e zonas de influência. Essas tensões romperam o equilíbrio europeu levando à corrida armamentista e a crises internacionais impossíveis de serem solucionadas pela via diplomática e que vieram a provocar a Primeira Guerra Mundial.
A interpretação econômica do Imperialismo tem em Karl Marx (1818-1883), John A. Hobson (1858-1940) e Vladimir Ilitch Lênin (1874-1924) seus maiores expoentes. O argumento básico é que a indústria européia em 1870 se expandira ao ponto de ter a necessidade de ampliar sua área de mercado, a possibilidade de acesso a matérias-primas mais baratas e a oportunidade de investimentos para absorver o excedente de capital que se acumulava com rapidez. Tanto para Marx quanto para Lênin, a expansão imperialista era o resultado inevitável da expansão capitalista e uma resposta necessária às contradições internacionais geradas pelo capitalismo. Hobson foi um dos primeiros a teorizar sobre o imperialismo, que considerava como um processo de expansão impulsionada pela busca de novos mercados e oportunidades de investimentos, com a utilização de todos os meios disponíveis pelo Estado. Para Hobson, os Estados mais avançados tornaram-se potências imperialistas devido à tendência de sua economia para a superprodução, o excesso de capitais em busca de aplicações lucrativas e a influencia dos capitalistas na condução da política externa de seus governos nacionais, levando-os à proteção, intervenção ou anexação de países e territórios onde os investimentos haviam sido feitos a fim de garantir a exploração e a lucratividade. Lênin afirmou que o imperialismo era a fase do desenvolvimento capitalismo correspondente à dominação dos monopólios e do capital financeiro, o que levava ao aumento da importância da exportação de capitais e à partilha do mercado internacional pelos trustes internacionais e do território mundial pelos países capitalistas mais importantes. Lênin definiu o imperialismo a partir dos cinco traços fundamentais seguintes: 1) a concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada neste “capital financeiro”, da oligarquia financeira; 3) a exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância particularmente grande; 4) a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas que partilham o mundo entre si e 5) o termo da partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes. Mas os lucros e as vantagens obtidas com o Imperialismo já eram contestados por autores liberais como Adam Smith (1723-1790) e David Ricardo (1772-1823), que afirmavam que só um pequeno grupo, mas nunca a nação como um todo seria beneficiada e mesmo políticos liberais criticavam a política expansionista, argumentando contra o aumento dos gastos militares, as vidas humanas perdidas, a necessidade de grandes investimentos a longo prazo para tornar os territórios adquiridos lucrativos, para dotá-los de uma estrutura administrativa controlável e para torná-los capazes de arcar com os custos de sua própria defesa.
O fim da I Guerra Mundial parecia também o início da decadência do Imperialismo, com impérios sendo dissolvidos, povos ganhando independência ou, pelo menos, igualdade político-administrativa e o desaparecimento dos privilégios econômicos estabelecidos por ocasião da conquista. A situação seria modificada com a ascensão do fascismo e do nazismo, que glorificavam as nações corajosas que procuravam, por intermédio da guerra e da conquista, impor seu domínio sobre os mais fracos, buscando em relação a outros impérios não mais o equilíbrio do poder, mas o domínio mundial sob sua liderança. A aliança entre Alemanha, Itália e Japão para a imposição de uma nova ordem mundial levou à II Guerra Mundial e à derrota desse modelo de imperialismo autoritário e racista.
O declínio do imperialismo levou a maioria dos povos coloniais a conquistar sua liberdade já sob a tutela da Organização das Nações Unidas. Ainda que existam territórios com um status especial (como, por exemplo, aqueles mantidos por Inglaterra, França, EUA, China etc.), o imperialismo subsiste em sua forma comercial e financeira – quando se usa a coerção e não a concorrência para se obter de outros povos privilégios e vantagens especiais – e permitiu que um novo tipo de imperialismo surgisse.
Durante a Guerra Fria verificamos a substituição do imperialismo clássico – ou seja, na forma de expansão territorial – por um outro modelo, caracterizado pelo aspecto ideológico: de um lado o mundo liberal-capitalista liderado pelos Estados Unidos e detentor da hegemonia mundial e, do outro, seu contestador, o mundo socialista liderado pela União Soviética. Nesta conjuntura, Aron definiu o imperialismo como a conduta diplomática-estratégica de uma unidade política que edifica um império, isto é, que submete suas estruturas e seus interesses estratégicos a populações estrangeiras. Tal definição se justifica a partir da constatação de que o sistema internacional estava organizado pela hegemonia: a criação do sistema ONU (segurança coletiva, arbitragem, difusor ideológico...); a regulação das atividades econômicas a partir da Conferência de Bretton Wodds (1944), do Acordo Geral de Tarifas e Comércio e a estruturação do Estado do bem-estar social; a criação de um sistema de alianças em nível mundial que incorporava as várias dimensões das relações internacionais (político&ideológico-militar-econômico-cientifico&tecnológico).
A competição com a URSS se dava nos termos definidos pelos EUA. Esta disputa, marcadamente ideológica, acontecia em todos os níveis da existência humana e tinha como objetivos a derrota do adversário e a supremacia unipolar. Ainda que as superpotências não se confrontassem diretamente, foram realizadas ações de caráter imperialista a partir de considerações geopolíticas e estratégicas utilizando-se de todos os meios, formas de pressão e de intervenção a fim de superar o rival.
A derrota da União Soviética e a superação da alternativa que ela representava levou à constituição de uma Nova Ordem Mundial, por hora caracterizada pela instabilidade internacional e pela difusão e aprofundamento dos valores liberais, pelo processo de globalização e pela maximização conjuntural do poder norte-americano.

O Império Pós-Moderno
Em sua obra Império, Michael Hard (1960) e Antônio Negri (1933) afirmam que os EUA desenvolveram seu projeto imperial baseado em redes de poder, no desenvolvimento de normas jurídicas internacionais e na multiplicação de organizações multilaterais capazes de produzir direito internacional e subordinar outros Estados-Nação. A constituição norte-americana favorece o Projeto Imperial, pois diferente do Imperialismo europeu que estendia seus poderes sobre espaços fechados, destruía e subjugava países legítimos em sua soberania, o norte-americano promove a articulação do espaço aberto em relações singulares e em diversas redes.
Neste ponto verificam-se algumas contradições, a partir da afirmação que o Império Pós-moderno não tem centro nem comando e de que tem sua própria dinâmica a partir da expansão do capitalismo. No entanto, o que se observa a partir da descrição da constituição do Império, feita por Hardt e Negri, é que os Estados Unidos estão sempre articulando, induzindo e direcionando a evolução do sistema mundial segundo seus interesses, tanto nos aspectos econômico (a maioria das multinacionais são norte-americanas ou têm grandes interesses no mercado norte-americano, sua moeda é o padrão de trocas no mercado mundial, o tamanho de seu PIB, etc.), político (no estabelecimento de normas jurídicas, na influência sobre as entidades multilaterais e sua ação nos acontecimentos internacionais), assim como na manutenção da hegemonia militar e no domínio que exerce sobre várias áreas do conhecimento científico-tecnológico, além da própria concepção de expansão imperial pela extensão do modelo norte-americano presente no Mito da Fronteira.
O surgimento do Império pós-moderno está relacionado à construção de um novo paradigma estrutural a partir dos seguintes elementos: o declínio do Estado-Nação, a desregulamentação dos mercados, a atuação das multinacionais, das agências e das ONGs, além de articular novas concepções de soberania, justiça, paz, moral, padrões éticos e valores.
O paradigma da soberania imperial é a noção americana de soberania expansiva pela extensão internacional da rede de poder constitucional. A soberania imperial é inclusiva de novos poderes, pois é modelada em redes de poder, diferente da soberania moderna onde cada Estado-Nação organizava seu espaço geográfico. O capital opera pela desobstrução das tradicionais fronteiras sociais e políticas ampliando-se através dos territórios, envolvendo sempre novas populações dentro dos seus processos para criar as redes e os caminhos de um único sistema cultural e econômico de produção e circulação.
Hardt e Negri afirmam que Michael Foucault (1926-1984) segue esse movimento em sua análise da passagem do governo europeu, entre os séculos XVII e XVIII, de “soberania” (forma absoluta de soberania centralizada na vontade e na pessoa do príncipe) à “governamentalidade” (uma forma de soberania expressa mediante uma economia descentralizada de governo e administração de bens e populações). Essa transição entre formas de soberania coincide com o desenvolvimento e expansão do capital. Cada paradigma moderno de soberania apóia a operação do capital por um período histórico específico, mas ao mesmo tempo apresenta obstáculos ao desenvolvimento do capital que terão de ser superados.
Durante a Guerra Fria houve a criação de múltiplos organismos internacionais, incentivados pelos Estados Unidos e capazes de produzir normas jurídicas, sendo que novamente os norte-americanos influenciaram na redução das resistências ao seu funcionamento e no processo de que as decisões tomadas nestes organismos tivessem força de lei. Tal concepção se baseia em um direito internacional fundamentado no contrato e/ou negociação nos organismos internacionais, mas em vez disso o que se constata é a existência de uma autoridade central, um legítimo motor supranacional de ação jurídica. As grandes instituições internacionais, que tinham nascido na base limitada de negociações e pactos firmados pelos Estados-Nação, levaram à proliferação de organismos e atores que começaram a agir como se existisse uma autoridade central sancionando o direito.
A instrumentação jurídica posta à disposição da ONU legitima o direito de intervenção baseado em valores universais e promove tais intervenções mediante ações de polícia, que contribuem para a construção da ordem moral, normativa e institucional do Império. Tais ações são justificadas pelo conceito de Guerra Justa, que se caracteriza como ação policial a serviço do direito e da paz, dentro de uma ordem jurídica legítima, da moral, da ética e contra um inimigo que representa o mal absoluto.
A expansão imperial é um movimento inclusivo que aceita as delimitações culturais e se define por três momentos de controle: (1) inclusivo quando não se dá importância às diferenças; (2) diferencial quando as identidades étnicas-culturais são estimuladas como prova de multiculturalismo e as diferenças conflituosas são deixadas de lado e (3) administrativo quando as diferenças são administradas e hierarquizadas dentro de uma economia geral de comando.
A partir do acima exposto Hardt e Negri definem a organização do Império como um amplo espectro de corpos (Estados-Nação, organizações de Estados-Nação, organismos multilaterais etc.) divididos por funções (organismos monetários, políticos, de saúde, educacionais etc.) e atravessados por uma variedade de atividades produtivas.
A estrutura organizacional apresenta uma estrutura piramidal dividida em três camadas: a primeira camada dividida em três níveis, onde no primeiro está isolada a única superpotência, os EUA, que detém a hegemonia sobre o uso global da força – uma superpotência que pode agir sozinha, mas prefere fazê-lo em colaboração com outros, debaixo da guarda-chuva das Nações Unidas. No segundo nível encontra-se um grupo de Estados-Nação que controla os instrumentos primários monetários globais e com isso é capaz de regular as trocas internacionais, como o G8, os Clubes de Londres e de Paris e Davos. O terceiro nível da primeira camada apresenta um conjunto heterogêneo de associações, incluindo mais ou menos os mesmos poderes que exercem hegemonia nos níveis militar e financeiro e demonstram poder cultural e biopolítico em nível global.
Na segunda camada o comando é amplamente distribuído pelo mundo, ressaltando não tanto a unificação quanto a articulação. Esta camada é estruturada basicamente pelas redes que empresas capitalistas transnacionais estenderam sobre o mercado mundial – redes de fluxo de capital, de fluxo de tecnologias, de fluxos de populações. O mercado mundial torna homogêneos e diferencia territórios, redesenhando a geografia do globo. Ainda na segunda camada, num nível que está geralmente subordinado ao poder das empresas transnacionais, reside o conjunto geral de Estados-Nação. Os Estados-Nação desempenham várias funções: mediação política com os poderes hegemônicos globais, regateio no que concerne as empresas transnacionais e redistribuição de acordo com as necessidades biopolíticas em seus próprios e limitados territórios. Os Estados-Nação captam e distribuem os fluxos de riqueza de e para o poder global e disciplinam suas próprias populações tanto quanto possível.
Na terceira camada estão presente grupos que representam interesses populares no arranjo global do poder, como por exemplo a Assembléia Geral da ONU, as ONGs, a mídia e as instituições religiosas.
Hard e Negri fizeram uma analogia entre o Império Romano e o Império pós-moderno ressaltando, porém, que este não tem centro nem território definido e que o comando imperial baseia-se em três meios de atuação global, nomeadamente no aparato militar, em especial no arsenal nuclear, em mecanismos monetários e no mercado mundial sob o controle dos centros financeiros imperiais – as cidades globais (Nova York, Los Angeles, Londres, São Paulo etc.) e, por último, na estrutura do sistema educacional e na produção cultural.
A partir do exposto pode parecer que os Estados Unidos são a nova Roma, ou melhor, um grupo de novas “Romas”: Washington (poder militar), Nova York (mercado global) e Los Angeles (comunicação e produção cultural), mas para Hardt e Negri isso não é real, pois ainda que tenha uma posição privilegiada, quando não dominante nos aparelhos de comando imperial, os Estados Unidos não são o centro, até porque a estrutura em rede não permite a existência de um centro controlador.
Em outra analogia, o comando e a administração imperiais seriam análogos às organizações feudais, às estruturas monárquicas da Idade Média, às estruturas do Estado no período Moderno. Além do que a comunicação é o elemento central que estabiliza as relações de produção, as forças produtivas e orienta o desenvolvimento capitalista e este não está sob o controle norte-americano. O poder imperial é distribuído em redes por intermédio de mecanismo móveis, não tem território, nem centro.
Hardt e Negri afirmam que o surgimento do Império ocorreu a partir da tensão capital-trabalho, onde o processo de globalização se define como um projeto capitalista de união do poder político com o econômico e, em que pese a posição de destaque dos Estados Unidos, não existe uma única potência, ou mesmo um grupo de potências, no controle do processo e do Império.
No entanto, verifica-se que todos os elementos que dão consistência ideológica, organicidade, regulação e proteção a esse Império Pós-Moderno têm sua origem nos Estados Unidos. Como Aron afirmou, os EUA são um império diferente, sem fronteiras e sem soberania, invisível e onipresente em todo o globo, que eventualmente usa seu poder para defender seus protegidos mas não para dominar seus clientes ou ditar sua lei ao mais fraco. Desta forma, sua projeção se faz por em grande medida por adesão e consentimento ao sistema.
No entanto, a unidade imperial pós-moderna e sua capacidade de homogeneização/ condicionamento/conformação é contestada por alguns Estados, grupos de políticos e intelectuais, e outras instâncias, distribuídos em várias partes do mundo. A política externa norte-americana do governo George W. Bush (2001-2008), sob a justificativa da guerra contra o terror, re-introduziu antigas práticas imperialistas e medidas unilaterais, que se expandiram para além dessa temática, securitizando vários assuntos que antes não faziam parte da agenda internacional. O surgimento de um novo adversário, sem um território definido, organizado em redes de nível internacional e com capacidade de desferir ataques de forma não convencional elevou ao nível de confronto o desafio à hegemonia dos Estados Unidos. A resposta norte-americana aos grupos terroristas inspirados em fundamentalismos com aspirações imperiais e totalizantes tem sido no mesmo nível, com a agravante de quere impor aos outros Estados um determinado posicionamento. Este se faz partir da imposição dos interesses e das concepções norte-americanas, ignorando as entidades multilaterais e o direito internacional, utilizando-se para tanto de concessões pontuais e outros métodos de pressão a fim de se arregimentar vontades e conseguir “aliados”.
Neste aspecto cabe retomar a teoria Karl Kautsky (1854-1938) que alegava que o imperialismo não levaria ao fim do capitalismo como afirmara Lênin, mas sim ao aprofundamento das formas e distorções do capitalismo, gerando o que conceituou como hiperimperialismo ou ultra-imperialismo, ou seja, a cooperação entre os principais Estados capitalistas para maior exploração dos países economicamente mais frágeis ou menos desenvolvidos.
A partir dessa teoria podemos observar que as nações capitalistas, lideradas e coordenadas pelo hegemon (no caso os EUA), podem manter as estruturas de dominação e a divisão internacional do trabalho e da produção que lhes é favorável, sobre os Estados com menor nível de desenvolvimento, por intermédio do controle da produção científica-tecnológica e de sua difusão, pelo aparato militar e de outras formas de coerção e condicionamento.

O Segundo Mundo
A crise econômica de 2007, que se iniciou nos Estados Unidos e rapidamente se difundiu pelo mundo acentuando os aspectos relativos à interdependência, levaram uma série de analistas a especular, a partir de um viés fortemente economicista, sobre a decadência e o fim do “império” norte-americano. No entanto, ao que parece, isto somente reforçou determinados aspectos como o fato de que tamanha concentração de riqueza e de capacidade de inovação no período de 1945-1991 e o momento de clara supremacia e de unilateralismo mostraram de maneira inquestionável seus limites. Esta afirmação nos leva a considerar a hipótese de que pode estar se configurando uma nova ordem internacional, não mais baseada em um único império pós-moderno e em um novo tipo de imperialismo, mas naquilo que Parag Khanna chama de países-aranhas, ou, conforme acredito, de Estados-rede, que de certa forma incorporam características das categorias aqui abordadas, do império pós-moderno e deste novo tipo de imperialismo.
Khanna sugere que existem três grandes centros de poder que possuem a capacidade de projetar redes de fluxos econômicos, financeiros, tecnológicos e culturais em nível global, além de possuírem estruturas organizativas próprias, com diferentes características. Estes grandes centros seriam extremamente competitivos entre si e serviram de modelo para um grupo de países que de certa forma estariam ligados, mas não plenamente integrados, a estas grandes “aranhas” e comporiam o que chamou de “Segundo Mundo”.
Segundo este autor, o Segundo Mundo, mesmo os componentes do BRI, já que a China foi alçada à categoria de grande centro de poder, não teriam chance de se transformar em “países-aranha” nos próximos vinte e cinco anos, mas seriam fundamentais para o equilíbrio do sistema internacional. No entanto, há perspectivas de tais países (Brasil, Índia e Rússia) alcançarem o status de grandes centros de poder, dependendo de uma série de fatores, tais como desenvolvimento tecnológico, equilíbrio institucional e a capacidade de projetar o soft power.
O que seria o “Segundo Mundo”? Este seria composto por um certo número de países, de capacidade de projeção de poder variável mesmo no nível regional, com diferentes potencialidades (grande população e território, rico em recursos naturais e estratégicos etc.), mas que teriam um papel decisivo nesta Nova Ordem Mundial. Estes Estados seriam a África do Sul, Brasil, Índia, Indonésia, Nigéria, Vietnã e Rússia, entre outros.
O primeiro grande centro, ou, como Khanna chama, aranha seria os EUA, cujo modelo econômico se baseia na inovação e em novos métodos organizacionais nas estruturas produtivas e laborativas. O modelo político liberal-democrático, com executivo e partidos políticos fortes. A área sob sua influencia seria a América do Norte, a Central e o Caribe, além de exercer um forte poder de atração sobre Grã-Bretanha e Japão. Os espaços em disputa seriam África, Oriente Médio e Extremo Oriente.
O segundo grande centro seria a Europa comunitária. O modelo econômico seria próximo do antigo Estado do Bem-estar social. O modelo político, tanto em nível nacional como comunitário, seria o parlamentarismo multipartidário, centrado em uma noção de Estado cooperativista e negociador. O passado colonizador, a presença de contingentes populacionais oriundos das antigas colônias e a habilidade em lidar com a diversidade étnica e cultural conferem à Europa a possibilidade de exercer uma grande influência sobre o Oriente Médio, a orla do Mediterrâneo, a África Negra e os países integrantes do Segundo Mundo, com quem ela desenvolveria intensas relações políticas e econômicas. Khanna prevê que a Europa seria o grande mediador nas relações com os outros centros de poder.
A República Popular da China é o terceiro grande centro de poder, que ofereceria um modelo alternativo ao europeu e ao norte-americano. Este modelo seria o liberalismo econômico conjugado com o autoritarismo político. Segundo Khanna, os chineses organizarão a Ásia Oriental mediante a criação de uma grande área de livre comércio, “transformando o Triângulo do Pacífico (China, Japão e Australásia) no mais rico eixo econômico do mundo”.
Os demais países da África e da Ásia não terão, na visão de Khanna, maiores possibilidades de uma inserção internacional mais autônoma ou de emancipar-se do sistema de redes dos três grandes centros integradores, constituindo-se em uma periferia semelhante ao “Terceiro Mundo”. A única alternativa a esse cenário, no sentido de se buscar um desenvolvimento mais justo e equilibrado, seria a integração às redes alternativas, relativamente independentes, dos países do Segundo Mundo, que teria um maior poder de barganha devido à intensa competição e à rivalidade entre os países-aranha.

Conclusão
Os Estados Unidos, na condição de “hiperpotência” no Pós-Guerra Fria, não são um império, pelo menos nos termos expostos ao longo deste artigo, ainda que tenham apresentado em várias ocasiões práticas imperialistas, nem parecem tampouco o Império Pós-Moderno. Talvez, como Aron afirmou, os EUA sejam um império diferente, pois, assim como todo império, os norte-americanos tentam difundir seu modelo organizacional, elementos culturais e estender sua dominação no tempo e no espaço. Por outro lado, a atuação dos estadunidenses como hegemon, no sentido de fornecer regras estáveis, a construção de consensos ou convergência de interesses nos principais assuntos da agenda global, a confiabilidade nas instituições supranacionais e a segurança ao sistema internacional tem sido largamente superada por atitudes unilaterais, pelo pouco apreço ao multilateralismo e de certa forma contribuindo para agudizar conflitos e contribuir para a instabilidade mundial.
O aprofundamento do processo de globalização, o relativo enfraquecimento dos Estados Unidos, a emergência de novas e velhas nações, o desenvolvimento científico-tecnológico etc., estão alterando as concepções tradicionais de poder dos Estados. Esta nova configuração se difunde a partir da reorganização dos sistemas internos de determinados Estados que disseminam suas diversas estruturas em forma de rede, com dimensões e influências limitadas em alguns aspectos e outras mais profundas e de largo espectro que se disseminam projetando suas formas de regulação e divisão internacional da produção pelo globo.
Concluímos que na atual conjuntura internacional pode estar surgindo uma nova configuração de Império, que, quando se apresentar plenamente, ultrapassará os antigos modelos hierárquicos e fortemente centralizados. Uma nova configuração baseada em estruturas matriciais como aquelas descritas acima, com características completamente novas, mas incorporando vários dos elementos tradicionais com relações desiguais e dissimétricas.

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