29.1.11

José do Patrocínio

Se toda a propriedade é roubo, a propriedade escrava é um roubo duplo, contrária aos princípios humanos que qualquer ordem jurídica deve servir." Não se tratava apenas de uma retórica inflamada de nítida inspiração socialista, nem de um mero exercício de propagandismo desabusado que se poderia esperar de um dos jornalistas mais famosos do pais. Filho de um padre com uma escrava que vendia frutas, José do Patrocínio (1853 – 1905) sabia do que estava falando: senhor por parte de pai, escravo por parte de mãe, vivera na pele todas as contradições da escravatura.

Nascido em Campos (RJ), um dos pólos escravagistas do país, mudou-se para o Rio de Janeiro e começou a vida como servente de pedreiro na Santa Casa de Misericórdia do Rio. Pagando o próprio estudo, formou-se em farmácia. Em 1875, porém, descobriu a verdadeira vocação ao um jornal satírico chamado "Os Ferrões” Começava ali a carreira de um dos mais brilhantes Jornalistas brasileiros de todos os tempos. Dono de um texto requintado e viril, José do Patrocínio - que de início assinava Proudhon -- se tornou um articulista famoso em todo o país. Conheceu a princesa Isabel, fundou seu diário, a "Gazeta da Tarde" virou o "Tigre do Abolicionismo". Em maio de 1883, criou, junto com André Rebouças, uma confederação unindo todos os clubes abolicionistas do país. A revolução se iniciara. "E a revolução se chama Patrocínio», diria Joaquim Nabuco.

Pouco depois de a princesa Isa­bel assinar a Lei Áurea, sob uma chuva de rosas no paço da cidade, a campanha que, por dez anos, Patrocínio liderara enfim parecia encerrada. “Minha alma sobe de joelhos nestes paços", diria ele, curvando-se para beijar as mãos da "loira mãe dos brasileiros”. Aos 35 anos in­completos, era difícil difícil supor que, a partir dali, Patrocínio veria sua carreira ir ladeira abaixo. Mas foi o que aconteceu: seu novo jornal, “A Cidade do Rio” (fundando em 1887), virou porta-voz da monarquia – em tempos republicanos. Patrocínio foi acusado de estimular a formação da "Guarda Negra", um bando de escravos libertos que agiam com violência nos comícios republicanos. Era um "isabelista".

Em 1889, aderiu ao movimento republicano: tarde demais para agradar aos adeptos do novo regime, mas ainda em tempo para ser abandonado pelos ex-aliados. Em 1832, depois de atacar o ditador de plantão, marechal Floriano, Patrocínio foi exilado na Amazônia. Rui Barbosa o defendeu, num texto vigoroso. "Que sociedade é essa, cuja consciência moral mergulha em lama, ao menor capricho da força, as estrelas de sua admiração?" Em 93, Patrocínio voltou ao Rio, mas, como continuou o "Marechal de Ferro", seu jornal foi fechado. A miséria bateu-lhe à porta e Patrocínio mudou-se para um barracão no subúrbio. Por anos, dedicou-se a um projeto delirante: construir um dirigível de 45 metros de comprimento. A nave jamais se ergueria do chão.

José do Patrocínio

No dia 29 de janeiro de 1905, José do Patrocínio sentou-se em frente da sua pequena escrivaninha no modesto barracão em que vivia no bairro de Inhaúma, no Rio de Janeiro. Começou a redigir: “Fala-se na organização de uma sociedade protetora dos animais. Tenho pelos animais um respeito egípcio. Penso que eles têm alma, ainda que rudimentar, e que têm conscientemente revoltas contra a injustiça humana. Já vi um burro suspirar depois de brutalmente espancado por um carroceiro que atulhava a carroça com carga para uma quadriga, e que queria que o mísero animal a arrancasse do atoleiro...” Não terminou a palavra nem a frase – Um jato de sangue jorrou-lhe da boca. O “Tigre do Abolicionismo” – pobre e desamparado – morria, imerso em dívidas e mergulhado no esquecimento.

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