13.3.11

Os Trâmites da Inquisição

Os inquisidores medievais e seu Modus Operandi


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A utilização da palavra "Inquisição" pelos europeus da Baixa Idade Média não referenciava uma organização, mas a procedimentos judiciais. Não havia naquela época, aos olhos da população de então, a configuração de uma instituição poderosa que orientasse e comandasse a vida das pessoas. Existiam pessoas encarregadas pela Igreja Católica de averiguar pecados graves, crimes contra os hábitos e costumes, atitudes que contrariassem, atacassem ou ofendessem as normativas do catolicismo. Isso está claramente vinculado à idéia de que à época do surgimento do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, a maioria esmagadora das pessoas leigas não tinha suficiente esclarecimento para entender as entranhas do poder eclesiástico.

Os inquisidores eram assim chamados porque aplicavam uma técnica judicial conhecida comoInquisitio, que pode ser traduzida como inquirir ou questionar. Essa forma de trabalhar em busca de informações a se obter juntamente aos hereges não é originária desse período. A humanidade através de seus líderes políticos, militares ou religiosos já se utilizava de expedientes semelhantes àqueles usados pelos inquisitores há muito tempo. Em todos os casos o que se buscava era a obtenção de informações confidenciais que não seriam obtidas junto aos inquiridos senão à custa do uso da força.

Essas informações confidenciais somente poderiam ser obtidas a partir do momento em que o inquisidor se mostrasse competente, determinado e forte o suficiente para literalmente tirar leite de pedra, ou seja, conseguir dados mesmo diante do mais resistente dos hereges. Para realizar seu intento o religioso da inquisição contava sempre com o apoio de outros clérigos preparados para a função e utilizava-se de instrumentos que causavam pânico, dor extrema, medo profundo e principalmente grande sofrimento. Em muitos casos esses interrogatórios acabavam de forma prematura em virtude da morte do inquirido.

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Era comum que os acusados de heresia ficassem aprisionados e incomunicáveis
durante algumas semanas. Durante esse período eram alimentados somente
uma ou duas vezes ao dia e tinham que passar a pão e água.

As técnicas utilizadas pela Inquisição não seguiam os padrões da lei praticada pelos tribunais eclesiásticos. Nos julgamentos regulares as informações eram disponibilizadas e avaliadas por um juiz, a partir de uma acusação formalmente apresentada por terceiros (que poderiam ser punidos se a acusação não fosse comprovada) e havia a confrontação dos réus com as testemunhas que deveriam referendar as posições do acusador ou negá-las conforme o que julgasse ter visto e viesse a descrever no tribunal.

As informações que fossem obtidas pelos inquisidores eram avaliadas pelos próprios responsáveis pela obtenção desses dados, ou seja, pelos próprios interrogadores. Isso já configurava uma arbitrariedade já que esses homens participavam dos questionamentos imbuídos dos valores que representavam e, consequentemente, buscavam as culpas do interrogado como forma de comprovar suas premissas, os dogmas da religiosidade que representavam.

A atuação dos inquisidores dependia da cooperação dos bispos e religiosos das localidades para as quais eram enviados. Ao proferir as penas as quais eram condenados os perseguidos, era comum que os inquisidores mencionassem como responsáveis pela sentença também os bispos da região onde teriam ocorrido os crimes. A maior parte dos membros do Tribunal era oriunda da ordem dos Dominicanos e dos Franciscanos, considerados como os mais castos, educados e preparados para o desempenho dessas funções de "salvação das almas" dos hereges.

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Torturas eram meios regulares de obtenção de depoimentos que confirmavam
os pecados e crimes contra a Santa Igreja Católica. Faziam parte do
receituário tradicional utilizado pelos inquisidores na sua busca de hereges.

O objetivo dos inquisidores não era o de punir, mas o de identificar os hereges e levá-los a confessar seus pecados e se arrepender de ter infringido as leis da religião. Recuperá-los através das punições e penitências acabava sendo a maior de todas as metas. A maior parte das sentenças aplicadas a hereges consistia em punições que podemos considerar como leves, como por exemplo, andar com uma cruz costurada a roupa ou ir em peregrinação a santuários religiosos para orar e recompor-se espiritualmente.

Diferentemente do que é apregoado popularmente somente 10% dos casos investigados pelos inquisidores que resultaram em punições levaram a pena capital. Essas cruéis finalizações de processos heréticos atingiam apenas as pessoas que se recusassem a admitir suas improbidades, erros e crimes contra o cristianismo ou ainda aos que depois de absolvidos uma primeira vez voltassem a cometer pecados graves passíveis de punição pela Inquisição.

Os inquisidores formados a partir dos séculos XIV e XV contaram com o auxílio da experiência dos primeiros membros do Tribunal do Santo Ofício. Os pioneiros da Inquisição tiveram a preocupação de escrever livros que orientassem as práticas de seus sucessores. Detalhavam em seus manuais as formas mais eficientes para se obter a confissão dos pecados por parte dos hereges. O mais célebre desses livros foi escrito pelo dominicano Bernardo Gui, que tinha uma experiência de mais de 25 anos na condução desse tipo de processos.

Gui era de família nobre, mas de ramos menos importantes dentro da nobiliarquia francesa. Nascido em 1261, juntou-se aos dominicanos em 1279, ainda no frescor de seus 18 anos. Teve boa educação, tendo passado por vários conventos do sul da França antes de tornar-se membro do Tribunal do Santo Ofício no ano de 1307. Trabalhou como inquisidor até 1324, quando foi recompensado pelos bons serviços sendo promovido a bispo. Sua atuação na Inquisição registra um saldo de 930 processos.

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A pena capital era menos regular do que se imagina. Calcula-se que
aproximadamente 10% dos acusados, aqueles que eram reincidentes ou que
não aceitavam penitenciar-se, acabava sendo “purificado” pela fogueira da Inquisição.

Seu Manual do Inquisidor (cujo título oficial era "A conduta de Inquirir relativamente às depravações heréticas") foi escrito no final de sua carreira no Tribunal, provavelmente entre os anos de 1323 e 1324. O livro foi dividido em cinco partes. Nas três primeiras há uma apresentação dos procedimentos a serem tomados pelo inquisidor em sua prática; o quarto capítulo traz documentos que reiteram e afirmam o poder dos inquisidores (como bulas papais); e a quinta parte do manual apresenta alguns casos de heresia.

O que os inquisidores queriam era basicamente informações. Sempre acreditavam que existiam conspirações que poderiam atentar contra a ordem dominante e, especificamente, visando atingir a Igreja Católica. O acusado sabia que pouco ou nenhum ganho teria se não desse as requisitadas notícias e dados buscados pelos homens que o torturavam. Esses homens que estavam sendo brutalmente assediados também reconheciam que tinham que dispor nomes que levassem o Tribunal a novas prisões, acusações, interrogatórios, torturas, julgamentos e confissões. As punições não podiam parar. A Igreja também precisava mostrar-se forte para que novos inimigos da fé não ousassem desafiá-la.

A necessidade de entregar outros pretensos hereges fazia com que houvesse a preocupação em não incriminar pessoas desconhecidas dos clérigos da Inquisição. Por isso mesmo os acusados tinham sempre em mente os nomes de pessoas que já haviam capitulado ou que eram previamente conhecidas pelos inquisidores. Não era incomum que fossem dados nomes de inimigos pessoais ou que fossem feitas acusações a Inquisição que caracterizassem simplesmente a perseguição aos desafetos de alguém.

Como já havia o conhecimento prévio de que essa prática era comum entre os acusados, era usual entre os inquisidores que fossem feitos estudos sobre a vida do inquirido e que para os interrogatórios fossem preparados questionários que filtravam a conversa e tentavam definir, de antemão e com o máximo de eficácia se os hereges eram ou não culpados das acusações que pesavam sobre eles. Sabemos que, na verdade, o que realmente definia ou não a responsabilidade nesses "crimes" contra a Igreja eram vontades políticas do próprio clero ou, muitas vezes, relacionadas aos humores e vontades dos próprios inquisidores.

Fonte: http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=541