18.11.13

Palestina

Exércitos invasores encontram resistência inesperada e
deixam população árabe na Palestina em xeque. Êxodo segue com mais
de 200.000 refugiados, muitos deles vagando pelo deserto

O flagelo dos palestinos: prisioneiros de guerra imploram por água em Ramle (à esq.) e casal de idosos se arrasta pela areia




"Que belo dia, este 14 de maio, quando o mundo árabe prende a respiração na expectativa da entrada dos sete exércitos na Palestina para redimi-la dos sionistas e do Ocidente. Neste dia, as forças árabes invadirão por todos os lados e se colocarão como um só homem, para exigir justiça e para satisfazer a Deus, à consciência e ao senso do dever."




anotação de um oficial da Legião Árabe em seu diário resumia todo o sentimento dos árabes na questão Palestina. As vésperas do final do mandato britânico, com os judeus prometendo fazer cumprir a partilha aprovada pelas Nações Unidas, a Liga Árabe sentiu-se convidada a invadir a Palestina para restaurá-la aos habitantes árabes. Entre seus membros, não havia dúvidas de que o intento seria alcançado sem dificuldades. Azzam Pasha, o secretário-geral da entidade, ainda se dava o direito de anunciar a dilapidação completa do inimigo. "Conduziremos um massacre para rivalizar com aqueles conduzidos pelas hordas mongóis", garantiu, logo no início das hostilidades.

Pasha: o árabe prometia um massacre


Todavia, a confiança e a certeza dos invasores logo soçobraram. Sem um comando unificado, com soldados despreparados e com interesses completamente distintos entre si, os exércitos árabes foram surpreendidos pela resistência vicejante dos judeus. Pouco mais de duas semanas se passaram desde que David Ben-Gurion anunciou a independência de Israel, e os árabes estão muito longe de conquistar seus objetivos, com seus combatentes exauridos pelos prélios. A situação só é mais catastrófica para os palestinos: acredita-se que entre 200.000 e 250.000 deles tenham deixado suas casas, em pânico, rumo aos países árabes vizinhos nas semanas que antecederam o mandato e na primeira quinzena da invasão – sem contar as outras tantas vítimas de embates fatais.

Árabes e judeus culpam-se uns aos outros pela expatriação dos palestinos, que causa preocupação na comunidade internacional e já é questão prioritária nos debates das Nações Unidas. Israel afirma que a fuga em massa foi incentivada pelos próprios governos árabes, não só a fim de abrir espaço para a invasão de seus exércitos, mas também visando criar comoção ao redor do globo. Com isso, ganhariam apoio para a causa palestina – as imagens de famílias palestinas vagando pelo deserto carregando apenas a roupa do corpo e alguns jarros de água são deveras impactantes. As autoridades judaicas argumentam que, na declaração de independência, garantiram liberdade e cidadania para os árabes palestinos em terras de Israel – promessa que, aparentemente, não foi levada a sério.

Fuga da Galiléia: temendo as tropas de Israel, palestinos abandonam seus vilarejos


Carnificina e debandada - No outro front, as nações árabes afirmam que orientaram os palestinos a não deixarem suas residências, estabelecendo inclusive punições para os jovens em idade militar que fugissem de suas cidades e confiscando as propriedades daqueles que fossem embora sem autorização. A culpa pelo desterro, de acordo com seus líderes, seria dos sionistas – e não apenas pela expulsão de civis na ponta da baioneta, como também pelo terror a eles infligido. Nesse ponto, a carnificina do vilarejo de Deir Yassin, no início de abril, onde cerca de 200 locais foram dizimados e tiveram seus corpos mutilados e jogados em um poço, é sem dúvida fator importante no imaginário palestino. Ainda que a Haganá tenha repreendido vigorosamente a ação – inclusive prendendo os oficiais responsáveis –, o temor de uma repetição do mortifício se alastrou pela população local, com conseqüências pouco animadoras.

Independente disso, é fato que a debandada civil tem uma explicação bem mais palpável: o colapso absoluto das instituições árabes na Palestina no crepúsculo do mandato britânico, com a fuga de seus principais líderes. Juízes, mukhtars, cádis e outras autoridades foram os primeiros a abandonar cidades como Haifa, Jaffa e a Cidade Nova de Jerusalém. Sem a elite de sua estrutura social, e encarando o formidável aparelhamento do estado de Israel, muitos decidiram partir para portos mais seguros – ou seja, terras seguramente árabes. E, nas entrelinhas, os judeus já indicaram que o retorno dos refugiados às antigas terras da Palestina não será bem-vindo.

Rendição na vila de Ramle: desespero


Para piorar, os membros da Liga Árabe, que na declaração de invasão, datada de 15 de maio, usavam a segurança dos palestinos como justificativa para o início da guerra, pouco ou nada vêm fazendo nesse sentido. Sem uma coordenação de fato (o rei Abdullah da Transjordânia se auto-proclamou, no dia 14, comandante-em-chefe dos exércitos árabes, mesmo não tendo a menor idéia do que se passa nas tropas aliadas), as manobras militares acabam atendendo os interesses pessoais de seus líderes – e, para desespero dos palestinos, sempre funcionam na base do cada um por si, Alá por todos. Ademais, ainda reverberam as palavras do cabotino Azzam Pasha e seu massacre anunciado mas não levado a cabo. Com os papéis invertidos, não é de se estranhar que os árabes palestinos esperassem o mesmo tratamento dos judeus. E, nesse caso, realmente não convém pagar para ver.

Fonte: http://veja.abril.com.br/historia/israel/especial-refugiados-arabes-palestina.shtml