3.3.15

O SÉCULO XVIII O POVO SOB O MEDO DAS INVASÕES FRANCESAS


O Povo sob o Medo das Invasões Francesas



A cidade do Rio de Janeiro já nasceu como resultado da luta dos portugueses para defender suas terras dos inimigos franceses, mas ao longo dos Séculos XVII e XVIII seus inimigos aumentaram e além dos franceses também os holandeses, espanhóis e ingleses em determinados períodos de tempo representaram perigo à posse da terra.

A Baía de Guanabara sempre havia despertado a atenção dos viajantes pelas belezas naturais que emolduravam a aglomeração urbana que se formava ao seu redor. A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro era um ponto estratégico para firmar o domínio português na região central e sul da Colônia, mas ela tornou-se cada vez mais assediada por navios de diferentes nações. Portugal não podia negar hospitalidade às embarcações de nações amigas em seus portos marítimos, mas manter suas terras longe da cobiça estrangeira era vital.

A Coroa Portuguesa desde o Século XVII já tentava proibir o comércio de navios estrangeiros nos seus portos, mas esta missão se tornava cada vez mais difícil de ser levada a termo, porque convivia com o comércio ilegal e também com o contrabando, ambos muitas vezes, contando com o apoio de próprios funcionários da Coroa. Havia também a convivência com os espiões que aportavam à região dos portos e do sertão com o objetivo de observarem as condições da terra, para servirem de base a um melhor conhecimento de suas fortificações e condições de vida, para possíveis ataques. As constantes diligências eram infrutíferas e não conseguiam fazer com que as incursões estrangeiras tivessem fim.

Entre 1689 e 1710 muitas correspondências foram trocadas entre a Coroa e os Governantes do Rio de Janeiro chamando a atenção para o perigo potencial existente com a presença de estrangeiros na região que ia de Cabo Frio até a Ilha Grande, região preferida pelos corsários, piratas e contrabandistas de várias nações, mas nada impedia a presença de estrangeiros nos Portos e o intercâmbio que contava com a complacência de índios, colonos e autoridades.

As tensões tiveram seu ponto máximo atingido quando a cidade foi por duas vezes invadida pelos franceses: 1710 por Duclerc e 1711 por Duguay-Trouin.




O Ataque de Duclerc - 1710



Em 1710, uma esquadra com seis veleiros levando cerca de mil e quinhentos homens, foi preparada em Brest e colocada sobre o comando de Jean-François Duclerc, que era apenas um jovem comandante que acabara de ser promovido a Capitão de Fragata, em janeiro de 1710. Poderia se pensar que tão pequena frota comandada por uma pessoa inexperiente fosse algo insuficiente para conseguir a proeza de conquistar uma cidade fortificada e guarnecida como o Rio de Janeiro, mas esta não foi bem a realidade.(1)

A esquadra de Duclerc chegou ao largo da Baía de Guanabara em 17 de agosto de 1710, desde o dia anterior já se tinha notícias de que navegações sob o falso pavilhão inglês rumavam para a Baía, mas quando a esquadra ia entrar na Baía, os disparos das Fortalezas da Barra fizeram com que o Comandante mudasse de idéia e se dirigisse mais para o Sul, na direção da Ilha Grande. Impedidos de desembarcar rumaram para o norte e chagaram à Praia de Guaratiba, onde desembarcaram mil e duzentos homens numa praia sem defesa e de fácil acesso, em 11 de setembro, orientados por quatro negros escravos que haviam fugido do Engenho de Bento do Amaral Coutinho.

Os franceses tomaram uma marcha a pé pelos matos através de uma região difícil, espessamente arborizada contornando a base da Serra dos Órgãos, durante uma semana. Em 18 de setembro chegaram ao Engenho dos Jesuítas nos limites da cidade, onde permaneceram à noite.

Era Governador da cidade, Francisco de Castro Morais, que substituiu D. Antônio de Albuquerque que havia sido designado para o Governo em 1709, mas logo em seguida se transferiu para a região das Minas, onde estava ocorrendo a Guerras dos Emboabas. Castro Morais era um Governador fraco e limitou-se a tomar medidas puramente militares para defesas das colônias que se viam ameaçadas, que incluíam apenas instruções aos Comandantes das duas Fortalezas da Barra: Santa Cruz e São José, com publicação de bando.(2)

Apesar da mudança de planos e dos navios terem desaparecido, nenhuma providência foi tomada, muito embora, pudesse ter sido fácil interceptar o avanço francês em qualquer desfiladeiro pelos quais eles tiveram que passar em sua caminhada pelo sertão e o Governador podia arregimentar um grande número de pessoas para defender o espaço urbano, além de ter a seu dispor uma milícia de linha e negros auxiliares que totalizavam cerca de quinze mil homens.

No entanto, o Governador só foi capaz de perceber o caminho que os franceses haviam seguido, quando Duclerc finalmente chegou à cidade, em 19 de setembro, na altura da vala que separava a cidade do campo, próximo à Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito.

A pesar da superioridade numérica, o Governador permaneceu inativo durante parte do dia, sem saber ao certo o que deveria fazer para defender a cidade. Duclerc á frente de seus homens entrou na cidade enfrentando a oposição dos moradores e alcançou seu coração onde os combates atingiram seu ponto culminante com a utilização da milícia e de escravos negros armados para a defesa.

Destacaram-se nos combates de rua dois defensores emboabas: Bento do Amaral Coutinho e o Frei Francisco Menezes, que exerceram forte liderança entre as pessoas que combatiam os franceses, compensando a atitude tímida do Governador. Os professores e alunos do Colégio dos Jesuítas, também se destacaram na defesa da cidade e do Palácio do Governador, ponto crítico da luta.

Somente depois que a situação dos franceses era crítica e que não havia mais possibilidade de avançar e nem de recuar, as tropas da guarnição entraram em ação, combatendo os franceses pelos francos e retaguarda. Duclerc, que a estas alturas só possuía metade de suas forças, ocupou um trapiche da costa, de construção sólida e resistente e munido de seis canhões. Tinha esperança que de lá poderia continuar combatendo até que pudesse receber auxílio de seus navios. Como no trapiche havia também pessoas da cidade, mulheres e crianças, que antes dos franceses haviam procurado refúgio no edifício, os portugueses tiveram dúvidas em atacar a Fortaleza.

Para combater os franceses tiveram que ser utilizadas barricas de pólvora para fazer voar a construção. Sabendo que não poderia resistir, Duclerc pediu um acordo e o Governador se comprometeu em poupar a vida dos franceses, caso eles se rendessem, e foi o que aconteceu.

Os defensores da cidade não haviam dado trégua aos invasores e de cerca dos seiscentos franceses que se encontrava no trapiche, um grande número apresentava ferimentos e muitos em estado grave. Apenas um sobrevivente conseguiu fugir e atingiu Guaratiba para reportar os acontecimentos, foi um dos escravos de Bento do Amaral, os outros três foram executados pelos vencedores.

A baixa entre os moradores é de difícil estimativa, mas fonte autorizada menciona o número de duzentos e setenta entre os mortos e feridos.(3) Entre os mortos encontrava-se o irmão do Governador, Coronel Gregório de Castro Morais, um dos poucos oficiais de linha que demonstraram coragem e iniciativa.

Duclerc e alguns de seus oficiais foram presos no Colégio dos Jesuítas, outros no Convento dos Franciscanos e os soldados distribuídos nos armazéns da Casa da Moeda e na Cadeia da cidade.

No dia seguinte, três navios surgiram ao largo da Baía e trocaram tiros com a Fortaleza de Santa Cruz dois dias depois. Duclerc teve ordem de se comunicar com sua tropa nos navios e pediu cirurgiões e roupas para que pudesse cuidar de seus homens. Após dar aos portugueses dois navios pequenos, para serem vendidos e o dinheiro obtido utilizado na manutenção dos prisioneiros, o Comandante partiu no dia 15 de outubro com os outros navios, rumo a Martinica e depois à sua pátria.

Duclerc, durante o tempo em que os navios estiveram ao largo da Baía, demonstrou manter-se destemido e corajoso, tendo tentado repetidas fugas. Após a partida dos navios solicitou ser transferido do Convento dos Jesuítas, para outro local. O Governador acabou por aceitar o pedido e transferiu-o para uma casa onde ele permaneceu até 18 de março de 1711, quando foi assassinado em seu dormitório por um grupo de homens mascarados, cujas identidades nunca foram descobertas, embora as autoridades de Lisboa, horrorizadas com a notícia, persuadissem D. João V a ordenar a mais rigorosa investigação judicial.

A vitória foi celebrada com grandes festas, no Rio de Janeiro e também em Lisboa, mas as notícias de que os prisioneiros recebiam um tratamento cruel, não foi bem recebida na França. Os maus tratos alegados, muitas vezes não indicavam que prisões portuguesas eram piores do que as de outros locais, mas ao fato de que prisioneiros feridos passavam por grandes sofrimentos e os recursos eram poucos.

Mais tarde surgiram boatos denunciados pela viúva de Duclerc de que o próprio Governador havia organizado o crime, estando seus filhos ilegítimos entre os assassinos. Outras notícias davam conta que o assassinato foi obra de maridos ciumentos não satisfeitos com a corte que Duclerc fazia às senhoras casadas, por meio de cartas de amor.(4)



O Ataque de Duguay-Trouin - 1711



Os festejos em relação à vitória sobre Duclerc, entretanto não durariam muito, porque ela inspirou um famoso corsário bretão, nascido em Saint-Malo, em 1673, René Duguay de Trouin a organizar uma expedição para vingar a derrota de seu conterrâneo. De forma diferente de Duclerc, Trouin tinha grande experiência, porque desde dezesseis anos embarcava em naus de sua família e rapidamente se tornou notado por uma árdua abordagem ainda no mesmo ano de 1689. Desta data em diante, sua ação só fez com que crescesse sua condição de herói de numerosos combates navais, com destaque para sua coragem que despertava admiração nos adversários ingleses e holandeses.(5)

Em 1710 era muito conhecido por suas façanhas e também como um vencedor cavalheiresco que lhe deu o apelido de "le parfait gentilhomme".(6)

A experiência adquirida por Trouin fez com que ele não cometesse o erro de seu antecessor em subestimar o adversário, até porque, em 1706 ele foi vítima de um insucesso e repelido pela escolta da Frota do Brasil. Ele também tinha como virtude escolher seus comandados com cuidado especial.

Duguay-Trouin obteve o aval de Luís XV para a sua expedição que foi preparada com perfeição e bastante rapidez e sigilo gastando para isto somente dois meses. Dirigiu-se a três de seus grandes amigos: Sr. de Coulange, Mordomo Ordinário do Rei e Controlador Geral da Casa de Sua Majestade; do Sr. de Beauvais e do Sr. de la Sandre-le-Fer de Saint-Malo, todos estimadíssimo e donos de excelentes créditos.(7)

A expedição foi financiada por um grupo de ricos cidadãos de Saint-Malo que já tinham experiência na organização deste tipo de empreendimento, mas os navios e a tropa foram fornecidos pela Coroa. A frota deveria ser formada no Porto de Brest, mas devido à possibilidade de ser bloqueada por navios ingleses, foi mudado seu local de reunião para La Rochelle e ela saiu de Brest, em sigilo, em 3 de junho de 1711.

A frota era composta de: sete naus de linha; cinco fragatas; uma galeota e três bombardas. Depois a ela se uniram duas naus e assim ela atingiu Cabo Verde em 11 de agosto com dezoito veleiros.

Mesmo com todo o sigilo com que a frota foi preparada, isto não impediu que os ingleses descobrissem o destino da frota, mas como não havia possibilidade de reunir barcos portugueses no Tejo, foi enviado um paquete inglês de carreira ao Rio de Janeiro, aonde chegou ao final de agosto, antes que a frota francesa desse sinal de sua existência.

Tudo parecia indicar uma grande vantagem para os portugueses e a total impossibilidade de que Duguay-Trouin pudesse surpreendê-los, até porque no Rio de Janeiro se encontrava ancorada no Porto a Frota Portuguesa, escoltada por quatro naus de linha, com um total entre 56 a 74 canhões, que estava sob o comando do Capitão Gaspar de Ataíde Costa, considerado na época o mais experiente marinheiro português, mas foi isto exatamente que veio a ocorrer.

Após saber da notícia da aproximação da esquadra francesa, o Governador ordenou prontidão à guarnição e à milícia, além de dar ordens às Fortalezas para se prepararem. Estas ordens foram reforçadas quando se soube da passagem da frota por Cabo Frio. No entanto, depois disto, como se passassem três dias sem notícias da frota, o Governador concluiu que o alarme havia sido falso e deu ordens para que fosse deixada a prontidão e para que todos os defensores se retirassem de seus postos. O Governador achava que se os navios se aproximassem seriam visto pelos atalaias que ficavam nas colinas e que haveria tempo para guarnecer os navios e as baterias dos fortes, mas este foi um grande erro que iria custar caro à cidade.

Duguay-Trouin era muito arguto e se deu ao trabalho de analisar o que estava ocorrendo e mediante seus cálculos concluiu que se entrasse na Baía durante o amanhecer, sob o forte nevoeiro, não seria notado. Ele assim descreve o fato em seu Diário:
"No dia 11 de setembro, a profundidade das águas diminuiu, sem, no entanto termos localizado terra. Comparei minhas considerações e latitude com as feitas anteriormente, e depois, aproveitando-me do vigoroso vento que se levantou na caída da noite, forcei as velas de toda a esquadra, apesar das brunas e do mau tempo, com o propósito de chegar, como o fiz, ao amanhecer, precisamente à entrada da Baía do Rio de Janeiro. Era evidente que o sucesso da empresa dependia da prontidão, e que não era o caso de darmos ao inimigo tempo para reconhecimento. Sob esse princípio, não cessei de enviar a bordo de todos os vasos as ordens que cada um deles deveria observar ao entrar; os minutos eram preciosíssimos: portanto, ordenei ao Sr. Cavaleiro de Courserac, que conhecia um pouco a entrada daquele porto, que se pusesse à frente da esquadra, e ao Sr. de Goyon e ao Sr. de Beauve que o seguissem. Fiquei na retaguarda deles, encontrando-me, assim, em situação mais conveniente para observar tudo o que se passava na frente e na retaguarda, e dali comandar."(8)

A Esquadra de Duguay-Trouin em frente á cidade do Rio de Janeiro, na Baía
de Guanabara, mapa tirado de Duguay-Trouin: O Corsário – Uma Invasão
Francesas no Rio de Janeiro – 1740, Diário de Bordo, págs. 134-135.




Antes que a névoa da manhã se dissipasse, a frota já se encontrava dentro da Baía diante da cidade do Rio de Janeiro, desprotegida e sob o olhar incrédulo das autoridades, soldados e moradores. Isto não quer dizer que ela não teve que enfrentar o fogo das Fortalezas de Santa Cruz e São João, que causou bastante estrago à frota, mas não impediu que eles ancorassem diante da Ilha das Cobras.

Os comandantes portugueses não se entenderam, entre ordens e contra-ordens nada foi feito de efetivo para proteger a cidade e navios portugueses chegaram a ser incendiados para que não caíssem nas mãos dos franceses. Os fortes não estavam suficientemente guarnecidos e a confusão foi intensificada por uma explosão acidental na Ilha de Villegagnon.

Apesar do sucesso inicial da missão, a situação ainda era de superioridade para os portugueses, devido às forças de que a cidade dispunha para sua defesa, porque embora os seus números fossem informados de forma variada, pode-se contar que:
"os portugueses possuíam pelo menos 5.000 homens da tropa de linha, 2.000 marinheiros, 4.000 moradores armados e entre 7 ou 8 mil negros.."(9)

De qualquer forma, mesmo com a imprecisão dos números a superioridade dos portugueses era indiscutível.

Os Comandantes: Francisco de Castro Morais e Gaspar da Costa Ataíde, não souberam agir em relação ao acontecimento e depois se censuraram mutuamente pela indecisão demonstrada nos dias que se seguiram. A coragem que faltou aos comandantes foi demonstrada por três subordinados: Gil de Bocage, normando ligado ao serviço naval português e os dois temidos emboabas: Frei Francisco de Menezes e Bento do Amaral Coutinho, que já haviam tido destaque no ataque anterior de Duclerc.

Em 14 de setembro, 3.300 franceses desciam em terra firme, sem encontrar resistência e foram se apossando dos pontos estratégicos para o ataque e defesa, sobretudo no alto dos morros e na Ilha das Cobras. Na Ilha foram instaladas baterias que deram aos franceses uma vantagem de bombardeamento de prédios e dos sítios urbanos, dando grande prejuízo material, mas que causavam poucas perdas de vida humana.

O que se seguiu foram dias de horror e total desordem. Em 19 de setembro quando Trouin já tinha uma posição que poderia bombardear a cidade e desfechar um ataque final, ele mandou dizer ao Governador que se rendesse e exigia grande indenização pelo assassinato de Duclerc e pelos maus tratos infligidos aos franceses prisioneiros, mas Francisco de Castro Morais rejeitou as exigências feitas por ele e não se rendeu.

A resposta de Trouin foi imediata, intensificou os bombardeios tendo como alvo principal a bateria do Convento dos Beneditinos. Os moradores ainda esperavam que pudessem receber ajuda de Antonio de Albuquerque com a milícia de Minas, que havia sido avisada da presença dos franceses, mas a deterioração do comando nas camadas superiores foi se intensificando e a situação ficou insustentável.

No dia 21 de setembro, um domingo, o Governador reuniu um Conselho de Guerra no qual a maioria dos presentes votou pela evacuação da cidade e a partir daí, moradores, soldados, oficiais, autoridades civis e eclesiásticas fugiram desabaladamente deixando para trás suas casas e seus pertences e até mesmo suas mulheres e filhos.

A retirada foi realizada numa noite de grande tempestade que transformou o caminho em charcos e rios caudalosos, transformando a fuga em alguma coisa realmente terrível que o relato dos sobreviventes pode comprovar. Tudo foi deixado para trás, embora, muito ouro e dinheiro, bem como riquezas da cidade já tivessem sido retirados dias anteriores.

Os franceses, que desconheciam o que estava acontecendo, se preparavam para no dia seguinte tomar a cidade, quando então encontraram tudo praticamente deserto, com apenas mulheres, crianças e velhos que não haviam conseguido fugir e só então souberam do ocorrido. Encontraram 360 soldados remanescentes do ataque anterior que estavam presos esperando para serem levados ao Santo Ofício de Portugal, para julgamento, e foram reintegrados à tropa.

Os franceses ocuparam a cidade, as fortificações e tomaram toda a Baía de Guanabara, bem como os navios que se encontravam no Porto. Naquele dia, na Igreja dos Jesuítas no alto do Morro do Castelo, os vitoriosos, em ação de graça, contaram um Te Deum pela fácil e inesperada vitória.

Foi considerável o espólio conseguido na cidade abandonada, mas mesmo assim mostrou-se insuficiente para cobrir o custo da expedição e Duguay-Trouin precisava agir rápido para obter mais recursos antes que chegassem à cidade as tropas da região das Minas. O Comandante francês lançou um ultimato exigindo o pagamento de grande resgate pela cidade e suas fortalezas e ameaçava destruir ambas, caso não fosse atendido.

O Governador relutou, mas com a morte de Bento do Amaral Coutinho, não teve mais condições de protelar, entrou em negociação com os franceses, que já ameaçavam a posição próxima do Engenho Novo, onde ele havia se instalado. O padre jesuíta Antonio Cordeiro serviu de intermediário nas negociações e Duguay-Trouin foi persuadido a aceitar a proposta de:
"receber a soma de 610 mil cruzados em ouro, cem caixas de açúcar e 200 cabeças de gado."(10)

Porque tudo indicava que ele não poderia mesmo oferecer mais do que isto e Duguay-Trouin, não queria estender por muito tempo sua estada na cidade.

O resgate foi levantado na Casa da Moeda em barras de ouro e com alguns moradores mais abastados, que tiveram que contribuir substancialmente, incluindo aí o próprio Governador, que contribuiu com 10 mil cruzados de seu próprio bolso. A capitulação foi assinada no dia 10 de outubro e os reforços de Minas chegaram no dia seguinte.

A culpa pelo atraso não foi de D. Antônio de Albuquerque, que assim que recebeu a mensagem da chegada dos franceses ao Rio de Janeiro imediatamente se pôs a providenciar o socorro à cidade, em uma semana a tropa estava pronta para seguir a viagem, mas as pesadas chuvas fizeram as trilhas montanhosas intransitáveis e os rios encheram, tornando o percurso difícil e demorando a travessia.

A atitude cavalheiresca de Duguay-Trouin em relação às mulheres e feridos foi reconhecida pela população que voltava a seus lares e que tiveram permissão para negociar com os franceses. Todas as relíquias retiradas das igrejas e guardadas cuidadosamente foram devolvidas aos jesuítas para que pudessem retornar a seus locais de origem.

Em 13 de novembro de 1711, Duguay-Trouin com toda a sua esquadra se lançou ao mar.

Em seu regresso, foram perdidos dois navios e todos os seus tripulantes, em um forte temporal no dia 29 de janeiro de 1712. Duguay-Trouin teve uma recepção de herói na Corte Francesa, e sua glória fez bem a uma França que atravessava um período crítico.

Na Corte Portuguesa, embora o resultado da empreitada tivesse sido recebida com pessimismo, ficou claro, que teria sido muito pior se os franceses tivessem se determinado a tomar o Rio de Janeiro e nele permanecer, porque seria impossível tirá-los da cidade, com os exércitos e a armada disponível na Colônia e naquela época, a situação da Guerra de Sucessão da Espanha impedia que fossem retiradas tropas de defesa de Portugal.

D. Antônio de Albuquerque permaneceu como Governador do Rio de Janeiro, desde sua chegada à cidade até 1713, aclamado pela Câmara e pelo povo que se negou a prestar obediência ao antigo Governador, que tanto prejuízo havia causado à cidade. Procurou neste período restabelecer a ordem, mandou tirar devassa contra os que haviam pactuado com os franceses, organizou expedições contra piratas que atuavam na costa entre a Ilha Grande e Cabo Frio, esforçou-se para restabelecer a disciplina da guarnição.

D. Antônio teve cuidado em ressaltar o apoio dado á cidade tanto pelos emboabas como pelos paulistas, cuja lealdade foi por ele reconhecida.



A Revolta dos Colonos



As invasões francesas ao Rio de Janeiro originaram diversos protestos dos colonos em virtude das tristes ocorrências e diferentes foram os porta-vozes que se manifestaram em relação à defesa organizada pelo Governador. Os oficiais da Câmara não se pouparam em reclamações e acusações ao Governador.

As invasões deram origem a inúmeras manifestações de revoltas dos moradores contra os escolhidos pelo Rei para governar a Colônia. O fato das autoridades terem abandonado a cidade à sua própria sorte, provocando a deserção em massa e a desordem total foi criticada em muitas cartas ao Rei. A ajuda que se fazia necessária, encontrou a cidade abandonada e saqueada, e as capitulações assinadas. O ocorrido expunha uma situação crítica de grande perigo em que se encontrava a Colônia e principalmente uma cidade que era uma das mais importantes do Brasil. Maria Fernanda Bicalho, assim descreve a situação:
"Reeditava-se , desta vez com conseqüências mais funestas para a ordem colonial e monárquica, a inquietação do povo diante das investida dos franceses, fosse por ter o governador "vendido" a praça, fosse por seus moradores negociarem "à larga" com os invasores."(11)

D. Antônio trocou cartas com D. Lourenço de Almada, Governador Geral do Brasil, alertando não poder ser remediada a vergonha pelas perdas sofridas na Praça do Rio de Janeiro. Ao Rei escreveu em 26 de novembro, dizendo lamentar a situação com a qual se deparou ao chegar das Minas e em seguida outra carta mostrava as dificuldades em apaziguar os moradores da cidade após os acontecimentos, pois se negavam a obedecer ao Governador.(12)

Apesar do bem sucedido assalto á cidade e das perdas econômicas, os prejuízos mais graves pareciam ser os vínculos de amizade estabelecidos entre os súditos das duas Coroas em Guerra na Europa, isto colocava em cheque a boa ordem colonial e prejudicava o exercício de autoridade régia e metropolitana na região, além de deixar aberta a possibilidade dos invasores desejarem retornar em breve período. Os moradores do Rio de Janeiro amotinaram-se contra os governantes e contra a soberania régia e o domínio de Portugal.

A população ainda teria que arcar com o prejuízo de ressarcir os cofres régios do dinheiro tomado como empréstimo para pagar o resgate dos franceses. Ficou acertado que dos 610 mil cruzados que a Fazenda Real teve que adiantar aos franceses, ela seria reembolsada do valor de 400 mil cruzados, pelos donos de casas da cidade.(13)

Mas a indignação do povo do Rio diante das atitudes do Governador não era isolada, representava apenas uma das demonstrações de insatisfação que vinham sendo constante em toda a Colônia e fazia com que a Coroa tivesse que dar atenção ao problema e agisse com cautela e prudência. O Conselho Ultramarino depois de analisar toda a situação considerou que em virtude do temor suscitado na Corte em relação às revoltas dos colonos, deveriam ser considerados três pontos importantes: voltar atrás nas primeiras deliberações acerca da quantia a ser paga pelos moradores à Fazenda Real; nomear para o Governo da Capitania Francisco de Távora que tomou posse em junho de 1713 e fazer com que fosse aberta rigorosa devassa para averiguar a culpa dos responsáveis pelas perdas e pelas negociações realizadas durante o assalto.

Nada disto impediu que o período até 1728 fosse extremamente crítico para a Colônia em relação á Metrópole, mas o caso do Rio de Janeiro não foi isolado, outros conflitos ocorreram: tendo como palco os sertões de Minas no início de seu povoamento, a Guerra dos Emboabas (1708-1709), que colocou em oposição os antigos mineiros de origem paulista e os forasteiros que para lá foram atraídos pela procura de ouro e de riquezas; em Pernambuco, um conflito entre os nobres e os mascates, senhores de engenho e mercadores, a Guerra dos Mascates (1710-1711) e na Bahia os ânimos não se mostravam mais calmos e ocorreu o Motim do Maneta, revolta em torno do abastecimento e do fisco.






(1) - "O ataque de Ducler ao Rio de Janeiro é extensivamente comentado, do lado português. Louvei-me, principalmente, em Frei Francisco de Menezes, com seus relatos de testemunha ocular, impresso em RIGHB, v. 69, parte 1, págs. 53-75; na anônima Relaçam da Vitória, publicada em Lisboa, no dia 20 de fevereiro de 1711, testemunhos oculares anônimos publicados por E. Brazão e emExpedições de Duclerc e de Duguay-Trouin ao Rio de Janeiro, 1710-1711, Lisboa, 1940, págs. 15-36. Consultei também, todas as fontes indicadas na História Geral de Varnhagen, v. 3, págs. 359-363, 382-384; cf. também Mello Moraes, Brasil Histórico, 1867, v. 2, págs. 151-151, 203-205. As fontes francesas estão indicadas na Histoire de la marine françoise, de C. de La Ronciére, v. 6, págs. 528n", conforme BOXER, Charles R.. A Idade de Ouro do Brasil – Dores de Crescimento de uma Sociedade Colonial, nota 8, pág. 129. Por parte da autora do trabalho foi consultado também VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brasil, vol. II, tomo III, que na Secção XXXVIII – "Conseqüências da Liga de 1703 até as pazes de Utrecht (1715)", págs. 286-306, que aborda as Invasões Francesas ao Rio de Janeiro.

(2) - Bando são ordens escritas dadas por uma autoridade para serem cumpridas pelas guarnições militares e/ou pela população.

(3) - E. Brazão, em Expedições de Duclerc e de Duguay-Trouin ao Rio de Janeiro, 1710-1711, págs. 28 e 29, com uma lista das baixas dos defensores apud in BOXER, Charles R.. A Idade de Ouro do Brasil – Dores de Crescimento de uma Sociedade Colonial, nota 13, pág. 129.

(4) - - Ofício de Castro Morais, de 25 de junho de 1711; consulta do Conselho Ultramarino, Lisboa, de fevereiro de 1712; sumário da petição de madame Duclerc; todos publicados na RIHGB, tomo especial do 1o Congresso de História Nacional, v. 1, págs. 509-517; VARNHAGEN, História Geral, vol. II, Tomo III - Nota III, págs. 305-307.

(5) - "A campanha de 1711 no Rio de Janeiro está amplamente documentada. Ver os relatos franceses Histoire de La Roncière, v. 6, p. 530-532, aos quais devem ser acrescentados os panfletos da época, que estão na Bibliografia Brasiliana de Borba de Morais, Amsterdã, 1959, 2v, v. 1, p. 231-232. Fontes portuguesas em História Geral, de Varnhagen, v. 3, p. 363-377; na História do Brasil de Pedro Calmon, v.3, p. 47-53; PANRJ, Rio de Janeiro, v.7, p. 12-18, 1907; aos quais devem ser acrescentados os relatos de Castro Morais e Gaspar da Costa Ataíde, em V. Rau e Maria F. G. da Silva (org.), :Os Manuscritos do Arquivo da casa de Cadaval respeitantes ao Brasil, Coimbra, 1956, 2 v., v. 2, p.79-80, 104-108. Ver também The Private letter-books of Joseph Collett, Londres, 1933, p. 1-6 conforme BOXER, Charles R.. A Idade de Ouro do Brasil – Dores de Crescimento de uma Sociedade Colonial, nota 19, pág. 130. Por parte da autora do trabalho foi consultado também VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brasil, vol. II, tomo III, que na Secção XXXVIII – "Conseqüências da liga de 1703 às pazes de Utrech (1715)", págs. 286-306, que aborda as Invasões Francesas ao Rio de Janeiro.

(6) - Charles R.. Boxer. A Idade de Ouro do Brasil – Dores de Crescimento de uma Sociedade Colonial, pág. 118.

(7) - Du Guay-Trouin. O Corsário – Uma Invasão Francesa no Rio de Janeiro – 1740, Diário de Bordo, pág. 136.

(8) - Ibidem, pág. 140.

(9) - Charles R.. Boxer. A Idade de Ouro do Brasil – Dores de Crescimento de uma Sociedade Colonial, pág. 121.

(10) - Ibidem, pág. 124.

(11) - Maria Fernanda Bicalho. A Cidade e o Império – O Rio de Janeiro no Século XVIII, pág. 279.

(12) - ANRJ, Cartas de D. Antônio de Albuquerque a D. Lourenço de Almada: Códice 756 – carta escrita em Inhaúma, a 6 de novembro de 1711; Códice 756, de 16 de novembro de 1711 transcritas em LAMEGO, Alberto. As invasões francesas no Rio de Janeiro, Duclerc e Duguay-Trouin 1710-1711 in Annais do IV Congresso de História Nacional, Rio de Janeiro, IHGB, 1949, pág. 193-199. ANRJ, Cartas de D. Antônio de Albuquerquer ao Rei: Códice 77, vol. 11, fls. 33v - 35v e Códice 77, vol. 11, fls. 37 – 38v, de 26 de novembro de 1711, sobre as queixas do povo contra Francisco de Castro Morais.

(13) - ANRJ, Cartas de D. Antônio de Albuquerque a D. Lourenço de Almada: Códice 756 – carta escrita em Inhaúma, a 20 de dezembro de 1711 transcritas em LAMEGO, Alberto. As invasões francesas no Rio de Janeiro, Duclerc e Duguay-Trouin 1710-1711 in Annais do IV Congresso de História Nacional, Rio de Janeiro, IHGB, 1949, pág. 203-204.


Fonte: http://www.marcillio.com/rio/his18inv.html

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